Fraude em Cuiabá

Prefeito do PSDB é acusado de superfaturar obras do PAC e polícia investiga ligação do esquema com campanha de 2008

As obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em Cuiabá viraram caso de polícia. Onze pessoas foram presas, na segunda-feira 10, em operação da Polícia Federal (PF) sob a acusação de participar de um esquema de fraudes em licitações. O prefeito Wilson Santos (PSDB) é acusado de formar um conluio com empreiteiros para superfaturar orçamentos. A denúncia de irregularidades no PAC cuiabano foi publicada por ISTOÉ na edição 2072, de 29 de julho, e mostrou que a Controladoria-Geral da União (CGU) identificou superfaturamento de R$ 15 milhões na construção da estação de tratamento de água Tijucal e pediu explicações à prefeitura sobre gastos de R$ 40 milhões. Segundo relatório da PF, os editais de licitação de sete lotes de obras continham cláusulas que direcionavam a escolha para o consórcio composto pelas construtoras Três Irmãos, Gemini, Concremax, Encomind e Lúmem Engenharia, com sede em Cuiabá."As licitações foram um simulacro com acertos, subornos, pagamentos indevidos, corrupção de servidores públicos, ameaças e uso de métodos de persuasão, próprios de estruturas criminosas", disse o juiz Julier Sebastião da Silva. Na operação, foram presos o suplente de deputado estadual e empreiteiro Carlos Avalone Júnior (PSDB) e o procurador-geral da prefeitura, José Antônio Rosa, ambos ligados a Santos.
As suspeitas começaram em 2007, a partir de investigação do TCU e da CGU que, ao identificar os problemas, pediram o cancelamento dos editais do PAC em Cuiabá. Em 2008, por meio de denúncia anônima, a PF soube previamente o resultado da licitação.Em entrevista, Santos se esquivou de qualquer responsabilidade. Mas o delegado Márcio Carvalho e o superintendente da PF no Estado, Oslain Santana, informaram que não está descartada a possibilidade de ligação entre as fraudes nas obras do PAC cuiabano com a arrecadação de recursos para a campanha eleitoral do PSDB à prefeitura em 2008.Por isso, embora não tenha sido decretada sua prisão, Santos continua sendo monitorado pelos agentes da PF. Ainda segundo a PF, além de o prefeito ser o responsável, como gestor público, por contratar, executar e fiscalizar as obras, escutas telefônicas, com autorização judicial, evidenciaram a relação dele com empreiteiros. Para não levantar suspeitas, revela o relatório policial, os encontros do prefeito com os representantes das empreiteiras ocorriam em São Paulo e numa casa situada na Chapada dos Guimarães (MT). Num dos diálogos interceptados, no dia 18 de abril de 2008, Rosa, procurador da prefeitura envolvido no esquema, agenda um jantar com um empreiteiro de nome Felipe, da Tejofran, uma das empresas que ganharam a licitação para o lote 2 do PAC, em Cuiabá.

Sérgio Pardellas

Collor, o acadêmico

Após reviver seu estilo virulento no Senado, o ex-presidente está prestes a virar imortal da Academia Alagoana de Letras



CANDIDATO ÚNICO Sem livro publicado, Collor tem muito apoio e nenhum concorrente


O senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) é candidato único a uma vaga da Academia Alagoana de Letras (AAL) e, obviamente, será chancelado imortal em eleição esta semana.A obra literária de Collor ainda não é visível: ele pretende lançar dois livros - um com os discursos feitos na vida pública e o outro, intitulado "A Crônica de um Golpe - A Versão de Quem Viveu o Fato", com seu relato sobre o impeachment que o tirou da Presidência da República, em dezembro de 1992, pouco mais de dois anos depois de eleito. A articulação de seu nome para a vaga aberta com a morte do poeta Ib Gatto, no ano passado, foi do escritor e promotor de Justiça aposentado Ivan Barros e conta com a adesão de todos os 40 membros da AAL. Barros aponta um terceiro e importante motivo para a indicação: "Collor é dono de uma empresa de comunicação (o jornal "Gazeta de Alagoas", entre outros) poderosa." O avalista do senador alagoano ressalta sua capacidade de liderança política e seu pendor intelectual e se orgulha da iniciativa: "Eu persuadi dois candidatos que queriam concorrer a desistir".Fora das belas paredes da instituição, entretanto, o clima é outro. "Não há legitimidade. Os requisitos deveriam ser literários e não políticos, ou por ele ser dono de jornal ", reage o advogado Adriano Argolo. Coordenador do Movimento Social de Combate à Corrupção Eleitoral em Alagoas, Argolo diz que a indicação de Collor à obscura AAL é uma estratégia política eleitoral para "ensaiar sua volta ao governo do Estado de Alagoas", patrocinado pelas "oligarquias alagoanas e pela política de coronelismo que reina no Estado." Outro conterrâneo, o poeta Lêdo Ivo, membro da Academia Brasileira de Letras, (ABL) diverge. "Ele preenche as condições. É autor de vários discursos, vai lançar um livro. Espero que entre, depois, para a ABL", disse. Avesso a qualquer academia, o poeta maranhense Ferreira Gullar apenas suspira e comenta: "Hoje, os critérios para entrar numa instituição dessa são os mais variados. Não me espanta que ele entre sem ter escrito nada. Está errado. Mas é assim que é agora."








Eliane Lobato

Grupo de voluntárias busca flagrantes de exploração de crianças e adolescentes


Toda quinta-feira e sábado, Tiago*, 10 anos, morador da Estrutural, levanta da cama às 4h para trabalhar nas Centrais de Abastecimento do Distrito Federal (Ceasa), no Setor de Indústrias e Abastecimento (SIA). A criança troca a rotina dos estudos por tarefas pesadas: carregamento e venda de frutas e verduras. O serviço rende R$ 50. A mãe do menino sabe que a atividade atrapalha o rendimento escolar, mas precisa do dinheiro. Pelo mesmo motivo permite que o outro filho, de 14 anos, a acompanhe até o local.Os dois garotos são exemplos em um universo de 1.537 crianças e adolescentes envolvidos com trabalho infantil no Distrito Federal (leia O que diz a lei), segundo dados da Secretaria de Desenvolvimento Social e Distribuição de Renda (Sedest). O levantamento foi realizado entre janeiro e julho deste ano. Ontem, servidores da Sedest e um grupo de moradoras da Estrutural, vinculadas ao Mulheres da Paz (1), registraram 49 meninos e meninas trabalhando na Feira dos Importados e na Ceasa.A entidade existe justamente para mudar essa realidade. As voluntárias percorrem lares de três cidades há cinco meses na tentativa de ajudar pessoas em situação de extrema pobreza e baixa escolaridade. Noventa integrantes do projeto moram na Estrutural, uma das regiões atendidas pelo grupo. A maioria é dona de casa, acostumada a ver violência e exploração. Para elas, o pagamento se faz pela satisfação em ajudar a comunidade. Na Estrutural, por exemplo, é comum ver crianças em comércios locais. Carregam compras em troca de moedas.Cada uma das voluntárias tem a meta de visitar 20 famílias por mês. O acompanhamento é constante. Toda semana, devem visitar a mesma casa, com a finalidade de verificar as mudanças de comportamento. Se encontram algum tipo de crime ou abuso, como espancamento e violência sexual, devem preencher uma ficha e entregar ao centro de referência da assistência social ou ao conselho tutelar mais próximos.Antes de entrar para o Mulheres da Paz, as interessadas recebem orientações de psicólogos e advogados. Aprendem a abordar as pessoas e a ter noções de direito. Elas trabalham uniformizadas e precisam de autorização da Sedest para exercer a função. “Somos mediadoras sociais. Nossa missão é trazer paz e dignidade para essas famílias”, explicou a dona de casa Cássia Pereira dos Santos, 24 anos, moradora da Estrutural.Nem sempre é fácil desenvolver o papel de uma Mulher da Paz. “Já tive que interferir em casos nos quais os pais, além de fazer os filhos trabalharem, batiam neles. Um padrasto chegou a quebrar um copo na cabeça de um menino”, contou Maria do Carmo Machado, 29. “O pior é que são meus vizinhos de porta. O que ocorre com eles, influencia meus filhos. Avisei ao casal que iria denunciá-lo. Depois disso, ele passou a ter medo de agir. E a mãe tomou coragem e denunciou o marido”, acrescentou.FiscalizaçãoCrianças do Entorno representaram 32% dos casos de trabalho infantil identificados pela Sedest em 2009. Elas saem de casa e vão, principalmente, para a Rodoviária do Plano Piloto, setores bancários e comerciais Sul e Norte, de acordo com a gerente de proteção social especial de média complexidade da Sedest, Valéria de Sousa Lima. O órgão não tem poder para punir empresários que exploram o trabalho infantil. Mas os agentes podem denunciá-los à Delegacia do Trabalho.Depois das abordagens de ontem, o coral de crianças da Associação Viver, instituição conveniada à Sedest, se apresentou na Feira dos Importados. Os 35 meninos e meninas estavam em situação de risco e agora participam do projeto como voluntários. “Eu vivia na rua, brincando. Não fazia nada de bom. Hoje, sei cantar e quero mostrar para as pessoas o meu talento”, afirmou o estudante Bruno Alves da Silva, 8.1 - VoluntariadoO projeto Mulheres da Paz foi criado em março deste ano. A Sedest selecionou 200 mulheres para atuar na Estrutural, Itapoã e Paranoá. A missão das voluntárias é se aproximar de famílias que têm problemas e tentar mudar a rotina de violência na comunidade onde moram.

O QUE DIZ A LEIA

proteção ao menor aparece no artigo sétimo da Constituição Federal. Proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao menor de 18 anos e de qualquer atividade remunerada a menores de 16 anos, salvo se aprendiz, a partir de 14 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reforça o direito de proteção no trabalho. Estabelece também direitos básicos para crianças e adolescentes, exigindo a formação dos conselhos dos direitos das crianças e adolescentes e conselhos tutelares. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê que a empresa que explora a mão de obra infantil está sujeita a multa mínima de R$ 402,53 por criança empregada. O valor da penalidade pode dobrar se a empresa tiver histórico de exploração infantil

Os cavaleiros do apocalipse

A troca de insultos e ameaças entre parlamentares leva o senado a seu pior nível na história, praticamente elimina a possibilidade de punições e aponta o tom que terá a campanha eleitoral do ano que vem

FÚRIA Para defender Sarney (à esq.), Collor se dirige a Simon (centro) com olhar ameaçador: "Engula suas palavras." Simon depois afirmou ter ficado com medo

OFENSAS Aliado de Virgílio (à dir.), Tasso (abaixo) diz que Renan tem os dedos sujos, é chamado de coronel e retruca dizendo que Renan é cangaceiro

Também conhecido como a Câmara Alta, o Senado, que deveria ser um dos pilares do Estado Democrático de Direito, desceu ao patamar mais degradante de toda a sua história. Nas últimas semanas, líderes partidários, ex-governadores de Estado e até ex-presidentes se desnudaram de seus mandatos parlamentares para vestir o figurino dos cavaleiros do apocalipse. O plenário, que deveria ser o palco dos grandes debates de interesse nacional, se transformou T em um deplorável cenário do embate de conflitos pessoais e partidários. Discursos acalorados e ameaças sem disfarces que caberiam melhor na boca de moleques de rua do que em homens bem trajados foram transmitidos para o País e o que o brasileiro assistiu foi a um vergonhoso espetáculo de troca de acusações mútuas, capaz de mostrar que todos se benefi- ciam do bem público. Poucos escaparam da derrocada ética e o decoro parlamentar virou letra morta. Não houve socos e pontapés, mas o Senado foi a nocaute. Num raro momento de lucidez, em meio à grave crise moral, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) fez um desabafo que sintetiza o sentimento da nação: "Apodreceram os senhores senadores. A Casa está desmoralizada, com seus homens desmoralizados pelos fatos", afirmou.Ao eleitor a quem até a abertura das urnas no próximo ano não resta mais a fazer senão acompanhar perplexo até onde pode chegar o Parlamento, fica a convicção de que por trás das agressões não está a busca pela retomada da moralidade ou da ética, mas a certeza de que ninguém será punido. O que aconteceu para o Senado chegar tão baixo? "A nação está estarrecida com esses fatos. Cada dia que você acha que chegou ao fundo do poço, vê que o fundo do poço é mais embaixo", avalia o cientista político Antônio Lavareda. Na reabertura dos trabalhos legislativos, na segunda-feira 3, o plenário do Senado foi palco da primeira baixaria. De um lado, o grupo favorável à permanência de José Sarney (PMDB-AP) na presidência da Casa. De outro, a ala disposta a tudo para apeá-lo do cargo. No rastro de um discurso do senador Pedro Simon (PMDB-RS), pedindo a renúncia de Sarney, o grupo liderado por Renan Calheiros (PMDB-AL) reagiu com virulência. Com os olhos esbugalhados, fora de órbita e exibindo seu descontrole colérico, o senador Fernando Collor (PTB-AL), reencarnou o estilo "bateu, levou", da época em que presidiu o Brasil, entre 1990 e 1992, antes de ter o mandato cassado. De dedo em riste, Collor mandou Simon engolir as palavras, ameaçando revelar episódios que o deixariam em apuros. "São palavras que não aceito! Quero que o senhor as engula e as digira como achar conveniente", esbravejou. "Evite pronunciar meu nome, porque da próxima vez que tiver que pronunciar o seu, eu gostaria de relembrar alguns fatos e momentos extremamente incômodos para V. Excelência." Ao que Simon respondeu: "Fale agora!" "Falarei quando for oportuno", retrucou Collor, que permaneceu, até o fim do discurso de Simon, encarando-o de forma ameaçadora, sem desviar o olhar. No dia seguinte, Simon disse à ISTOÉ que não se sentiu ameaçado de morte, diante de antecedente histórico da família de Collor (leia reportagem à pág. 40), mas admitiu ter sentido medo. "Foi assustador, saía fogo dos olhos do senador Fernando Collor ali logo embaixo de mim. E eu não falei nada demais. Quando vi, ele entrou completamente transtornado", lembrou Simon, que fez um questionamento formal ao senador do PTB para que ele esclarecesse o que quis dizer em plenário. Na terça-feira 4, cinco partidos voltaram a pedir a renúncia de Sarney. O porta-voz da iniciativa foi o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM). "Senador José Sarney, case-se com a sua biografia. Deixe o cargo. Esse mandato não representa nada para V. Excelência", desafiou. À noite, numa reunião no gabinete da presidência, Renan Calheiros, Gim Argello (PTB-DF) e Fernando Collor entenderam que aquele era o momento mais propício para um novo discurso de Sarney.
Em casa, ao lado do advogado Eduardo Ferrão, Sarney optou por um pronunciamento técnico e passou em revista cada palavra do discurso feito na quarta-feira 5. Paralelamente, a pizza já assava no forno do Conselho de Ética, colegiado onde 70% dos integrantes são alvo de inquéritos autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), réus em ações penais ou envolvidos com nepotismo e atos secretos nos últimos anos. Com a maioria governista e presidido pelo senador Paulo Duque (PMDB-RJ), o Conselho iniciara seus trabalhos disposto a arquivar os processos contra Sarney. A sessão foi interrompida para que todos acompanhassem o discurso do presidente do Senado no plenário. Com a ajuda de power point, Sarney tentou esclarecer as denúncias. Classificou-as como "menores", baseadas em "recortes de jornais", e descartou o afastamento do cargo. Cometeu contradições, principalmente em relação à contratação de amigos e parentes (leia quadro à pág. 40). Seu pronunciamento, sem citar os adversários, serviu para que o clima de acordão prevalecesse. Terminado o discurso, o Conselho de Ética arquivou três denúncias e uma representação das dez ações que pediam abertura de processo para cassação do mandato de Sarney. Vieram novos arquivamentos depois.Parecia que a crise no Senado caminhava para um desfecho e que ninguém seria punido por atos secretos que misturam público e privado e nepotismos de toda ordem. Mas na quinta-feira 6, novamente os interesses partidários e pessoais se impuseram. Numa retaliação às investidas do PSDB contra Sarney, Renan leu em plenário a representação do PMDB contra o líder tucano Arthur Virgílio por quebra de decoro. Há inclusive documento mostrando que despesas com a saúde da mãe de Virgílio foram pagas pelo Senado e recursos superiores a R$ 600 mil foram depositados na conta do senador.Virgílio subiu à tribuna para relembrar as acusações feitas nos últimos anos contra o peemedebista. Foi o suficiente para o bate-boca de moleques voltar a ter espaço na Câmara Alta. O tucano Tasso Jereissati (CE) pediu para Sarney retirar das galerias uma pessoa que estaria ofendendo os líderes do PSDB. Renan reagiu. "Essas crises acontecem por isso. É a minoria com complexo de maioria. Quer expulsar agora um cidadão que está aqui participando da sessão, que é uma sessão infelizmente histórica do Senado", disse, apontando o dedo para Tasso. Irritado, Tasso revidou: "Senador Renan, não aponte esse dedo sujo para cima de mim." "Dedo sujo infelizmente é o de V. Excelência. São os dedos dos jatinhos que o Senado pagou", disse Renan. "Pelo menos era com o meu dinheiro, o jato é meu. Não é o jato que você anda dos seus empreiteiros. É meu, é meu, é meu!", devolveu o tucano. Neste momento, Renan, fora do microfone, chama Tasso de coronel de merda. "Eu coronel? Cangaceiro! Cangaceiro de terceira categoria!", rebateu Tasso. "Como brasileiro, fico muito triste ao me deparar com uma cena como essa. A coisa se acirrou a tal ponto que tudo se radicalizou e parece que isso não terá fim", afirma Maurício Corrêa, ex-senador, ex-ministro da Justiça e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. Horas depois do bate-boca, Sarney esforçou-se para dar uma justificativa em entrevista à ISTOÉ. "Eles estavam jogando com o meu temperamento, mas a toda ação corresponde uma reação. E o senador Arthur Virgílio não para de nos insultar", disse Sarney, reconhecendo que o momento é lamentável. A crise do Senado é um trailler do que será a eleição de 2010. Ao escalar cavaleiros como Collor e Renan para lutar pela manutenção de Sarney no comando do Senado, o presidente Lula olha para a sucessão. Com a base aliada fortalecida, ganha a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A oposição trabalha com o mesmo horizonte. Assumir o controle do Senado às vésperas da disputa pela Presidência da República é o pulo do gato. Além de brecar projetos de interesse do Executivo nos meses que antecedem à eleição, uma eventual saída de Sarney enfraqueceria os caciques hoje alinhados a Lula e poderia levar o PMDB para o colo de José Serra ou de Aécio Neves, ambos pré-candidatos do PSDB. Resta saber, porém, se o Senado conseguirá resgatar sua credibilidade após viver dias de briga de rua.O nível hoje é tão rasteiro que até mesmo as interpretações políticas ficam comprometidas. "Tem que mudar um conjunto de atitudes, em relação ao que significa ser representante do povo num Parlamento moderno, de uma sociedade moderna, com moeda forte, em que o cidadão tem noção exata de quanto ele gasta na sua vida privada e pública", diz o antropólogo Roberto DaMatta. Nesse sentido, quem melhor poderá responder à crise serão os eleitores em 2010, quando 70% dos senadores deverão ir às urnas para renovar o mandato. Caberá aos eleitores separar o joio do trigo. Se é que ainda há trigo nesse ambiente de terra arrasada. "A única certeza é a de que os atores não estão correspondendo a seus papéis", conclui DaMatta. Colaborou Hugo Marques (DF)







A bela do clã Sarney

Flagrada ao pedir emprego para o ex-namorado, Bia se diz injustiçada




Uma das seis netas do presidente do Senado, a advogada Maria Beatriz Brandão Cavalcanti Sarney tornou-se personagem dos escândalos que atingem seu avô José Sarney ao ser flagrada por escutas da Polícia Federal. Bia, como é conhecida, entrou no olho do furacão ao pedir ao pai, Fernando Sarney, um emprego no Senado para o ex-namorado Henrique Dias Bernardes. Ela própria recebeu uma ajuda do avô, em 2004, quando ganhou uma vaga de assessora internacional no Superior Tribunal de Justiça. "Atendi, sim, a um pedido do Sarney para botar a Beatriz no STJ, cumpro a minha palavra", confirma o ex-presidente do STJ Edson Vidigal. "Eu não me arrependo, a menina é muito competente e estão fazendo uma injustiça com ela", diz o ex-ministro. Em entrevista à ISTOÉ, Bia afirma que se saiu bem em suas funções e nega que tenha se utilizado do sobrenome para conquistar qualquer privilégio. "Não sou a filhinha de papai idiota que pintam por aí, que vive dependendo de favores. Isso não corresponde à realidade", diz. Ela conta que foi acusada até de não possuir diploma universitário quando entrou no STJ."Eu era pós-graduada", explica. "Sou advogada, fico chateada com essas coisas, minha profissão requer muita discrição, muitos dos meus clientes não querem ver minha imagem vinculada a este tipo de notícia." Sobre o pedido que fez ao pai para encaixar o ex-namorado Henrique no Senado, ela diz que é outra injustiça. "Ele nem era meu namorado na época que foi contratado, é um menino inteligentíssimo, que se formou em física pela UnB, e estava precisando de uma oportunidade", diz. Para Bia, é "inexplicável" a sensação de ver seu nome envolvido no escândalo. "Você não sabe quanto isso interfere, mas não tenho medo, sei a profissional que sou, sei o que consegui pelos meus próprios méritos", defende. "O que fazem hoje é transformar a reputação da pessoa numa calamidade." Sobre o avô, ela acha que a história fará justiça. "Meu avô está sendo extremamente injustiçado pelos seus próprios pares. Ele contribuiu muito para a formação política desse país." Apesar do envolvimento de seu nome no escândalo, Bia é apontada por amigos da família como a neta que menos gozou dos privilégios do clã. Ela é filha de Fernando com a procuradora Elisa Maria Brandão Cavalcanti e só ficou sabendo que era neta de Sarney na adolescência. Aos 31 anos, não participa das festas da família no Maranhão, ao contrário das outras filhas de Fernando com Tereza Murad. Bia também é neta do ex-ministro do Meio Ambiente Henrique Brandão Cavalcanti e bisneta do constitucionalista Themístocles Brandão Cavalcanti. Na faculdade, defendeu uma tese sobre a cessão de jogadores profissionais dos clubes para as seleções, abordando o direito de imagem. "Ela foi aprovada com tranquilidade", diz o orientador Roger Stiefelmann Leal. "É uma garota aplicada." Bia deixou os ex-chefes impressionados."Ela valia muito mais pelo Brandão Cavalcanti do que pelo Sarney", brinca o jurista Délio Lins e Silva, que a empregou como estagiária e ganhou dela um livro do avô constitucionalista. "Estou com pena, esse negócio de pedir emprego complicou a vida da menina." Hoje, Bia trabalha no escritório de Luiz Antonio Bettiol. "Ela tem qualidades de uma boa advogada e é muito empenhada", elogia Bettiol. Fora do trabalho, Bia é uma moça alegre, sorridente, que adora sair à noite. Na Asa Sul, um dos locais que ela freqüenta é o pub irlandês O'Rilley.O proprietário, Luiz Carlos Carvalho, se considera um "superamigo" de Bia e diz que ela é uma pessoa do bem. "Pedir emprego foi um deslize, uma coisa da cultura impregnada na cabeça das pes soas que moram em Brasília", critica Carvalho. "Acho que ela não queria botar o ex-namorado no Senado só para ele mamar nas tetas do poder. Isso não é de seu estilo". Os que convivem com Bia dizem que ela tem personalidade forte.Quando Vidigal decidiu deixar o STJ em 2006 para se candidatar ao governo do Maranhão, entrou no lugar dele o ministro Rafael Monteiro de Barros Filho. Sua primeira providência foi baixar um ato exonerando 40 pessoas nomeadas por Vidigal. Bia estava na lista. Ela ficou furiosa por ficar sabendo da demissão pelo "Diário Oficial" e foi à secretária-geral do STJ, Ana Luísa, para reclamar: "É uma falta de respeito, ficar sabendo da demissão assim", esbravejou. "Isso é um absurdo." Naquele momento, sentiu na pele o peso de carregar o sobrenome Sarney.

A NETA-PROBLEMA

Hugo Marques Flagrada ao pedir emprego para o ex-namorado, Bia se diz injustiçada Ao contrário de Maria Beatriz, quem complicou a vida da família na Polícia Federal foi outra neta do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP): Ana Clara Murad Sarney, filha de Fernando com Teresa Cristina Murad Sarney. Em um relatório de inteligência da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros, a Polícia Federal acusa Ana Clara de participar ativamente "das atividades ilícitas da família". Tal conclusão foi feita após a PF monitorar as mensagens de e-mail trocadas por Ana Clara e sua mãe, nas quais foi descoberto em anexo um pedido de movimentação de US$ 1 milhão no Hong Kong and Shanghai Banking Corporation.A operação foi intermediada pelo HSBC em Nova York. Os dias que antecederam à troca da mensagem foram marcados por várias ligações entre Fernando Sarney, Teresa e Ana Clara, diz a PF. Ana Clara foi incluída no quadro societário da São Luis Factoring, da família Sarney. A empresa é investigada por sonegação e lavagem de dinheiro.

O inquérito que ameaça Sarney

ISTOÉ teve acesso ao documento da pf sobre as estripulias do filho do presidente do Senado - e elas mostram mais que nepotismo

Um inquérito de três volumes da Polícia Federal ao qual ISTOÉ teve acesso na última semana pode ser decisivo para o destino do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O relatório de 157 páginas elaborado pelo setor de inteligência da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros condensa toda a investigação da chamada Operação Boi Barrica, um conjunto formado por gravações de 150 horas de conversas telefônicas, mensagens eletrônicas interceptadas e declarações de renda recolhidas pela Receita Federal por dezenas de pessoas físicas e jurídicas.O alvo principal do inquérito é o empresário Fernando Sarney, único filho do presidente do Senado que não se submeteu às urna, mas é responsável pelos negócios da família. No documento, Fernando é tratado como membro de "primeiro escalão" de uma "organização criminosa", auxiliado por Astrogildo Quental, diretor financeiro da Eletrobrás, e Silas Rondeau, ex-ministro de Minas e Energia, ambos ligados politicamente ao senador José Sarney.As conversas gravadas pela PF mostram que a atuação de Fernando Sarney nos bastidores do ministério e de estatais não se limita à prática de nepotismo. "além de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, temos convicção de que houve tráfico de influência de forma a colocar o que é público a serviço do privado", diz um dos delegados que participaram das investigações. O ponto de partida do inquérito foi a criação da empresa São Luis Factoring e Fomento Mercantil, uma empresa sem funcionários que funciona na sede do Grupo Mirante, a holding de empresas de comunicação da família Sarney, em São Luís (MA). Entre 2002 e 2006, a São Luis Factoring declarou receita bruta de R$ 1,7 milhão. Mas no mesmo período teve movimentação financeira 24 vezes maior, de R$ 41,6 milhões, segundo análise da Receita Federal. Diante da possibilidade do crime de sonegação fiscal, a Justiça Federal autorizou a abertura do sigilo fiscal, bancário e telefônico da empresa e de seus proprietários. Na Justiça, os advogados de Fernando afirmam que não há crime em abrir uma factoring para resolver os problemas financeiros do próprio grupo. Mas, em conversas telefônicas interceptadas em janeiro de 2008, a mulher do empresário, Teresa Cristina Murad Sarney, sócia da factoring, menciona a um interlocutor "aquele dinheiro que a gente sacava na época da campanha". O relatório mostra que a PF descobriu movimentações de R$ 2 milhões que fariam parte de um suposto caixa 2 utilizado na campanha derrotada de Roseana Sarney rumo ao governo do Maranhão em 2006.Em um pente-fino nas contas da Televisão Mirante e da Gráfica Escolar, a PF descobriu que estas empresas declararam, em cinco anos, R$ 25 milhões em "despesas financeiras", ou seja, a rubrica onde são lançados pagamentos a título de comissão ou deságio pela utilização do serviço de factoring. A polícia diz que a factoring fez movimentações para a família. Ana Clara Murad Sarney, filha de Fernando Sarney, chegou a mandar um e-mail para a mãe com um pedido de movimentação de US$ 1 milhão no Exterior. "Ana Clara participa ativamente das atividades ilícitas da família", registrou a PF no documento.


A Lupama Comércio, que pertence a Gianfranco Perasso e Flávio Lima, colegas de faculdade de Fernando, não tem, segundo o relatório da PF, capital social nem sede, mas ficou responsável por um contrato de R$ 250 milhões. A PF monitorou encontro de Gianfranco em Brasília com Silas Rondeau e com Ulisses Assad, diretor da Valec. Silas seria sócio de empresas que operam o esquema, como a PRX Engenharia, segundo documentos obtidos pela PF.Os agentes interceptaram e-mail que Silas recebeu do vice-presidente da Engevix Engenharia, José Antunes Sobrinho, negociando preenchimento de contratos no setor elétrico. "O grupo pode estar se utilizando de sua influência no meio para obtenção de vantagens", diz o documento da PF. "Sobretudo com a participação de exploração no setor mediante a utilização de pequenas centrais hidrelétricas." O grupo ligado a Fernando também fechou contrato para venda de ações da Energética Corumbá III, tendo como cliente final a Eletronorte. É quando aparece o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, velho aliado da família Sarney. A PF monitorou ligação em que os interlocutores falam em "pressionar" o ministro Lobão para receber o Citibank em audiência. Nos diálogos com Astrogildo, Fernando fala sobre indicações para postos na Eletrobrás."Vou ver se eu consigo com o Lobão, em Brasília, semana que vem", diz ele, sobre uma suposta reivindicação do grupo no Ministério de Minas e Energia.Foi nesse pacote de 150 horas de gravações que a PF registrou o caso de nepotismo no Senado, divulgado pelo jornal "O Estado de S. Paulo" na última semana. O episódio relaciona diretamente o presidente do Senado aos atos secretos.Uma sequência de seis diálogos entre 30 de março e 2 de abril de 2008 mostra a facilidade de Fernando para nomear, no Senado, Henrique Dias Bernardes, namorado de sua filha Maria Beatriz.Na primeira conversa, Beatriz pede ao pai para empregar o namorado na vaga do irmão, que estava deixando o cargo. Fernando diz que não haverá problema e pede à filha para conversar como o ex-diretor do Senado, Agaciel Maia. No último diálogo, Fernando fala com o senador Sarney. Depois de pedir a benção, diz que a nomeação de Henrique já fora acertada como Agaciel e que bastaria o senador falar com o diretor da Casa para finalizar o caso. Sarney responde: "Tá bom. Vou falar com ele". Henrique trabalha meio período na diretoria do Centro Médico do Senado e recebe R$ 2,7 mil por mês.

"Obrigado, papai"Diálogos interceptados pela Polícia Federal mostram a influência de Fernando Sarney em todas as esferas do poder
Senado
31 de março de 2008 Bia (neta de Sarney) fala com o pai sobre a indicação do namorado para um cargo no Senado.
Fernando Sarney: Eu vou falar com o papai ou eu mesmo com o Garibaldi amanhã aí em Brasília, porque é o único jeito de resolver. Bia: Tá bom. FS: E, se for o caso, pra ele já levar tudo do Henrique e já dizer: 'Ó, a pessoa que o Fernando quer botar é essa aqui.'
2 de abril de 2008 O senador José Sarney conversa com o filho Fernando sobre o emprego do namorada da neta Sarney: Alô. FS: Benção, pai.Sarney: Deus lhe abençoe. Olha, você não tinha me falado o negócio da Bia... FS: Não, não, ela falou comigo sextafeira... Eu falei com o Agaciel. Sarney: Já falou com o Agaciel? FS: Eu falei, falei. Sarney: Tá bom. Eu vou falar com ele... Ontem, foi assinado o negócio da TV de Estreito, a repetidora. FS: Foi? Sarney: É. FS: Beleza, ótimo. Isso é uma boa notícia. Sarney: Tá bom. FS: Ótima notícia, tá, paizão, obrigado.
Banco do Brasil
26 de março de 2008 Fernando Sarney conversa com exsenador Maguito Vilela, à época vice-presidente do Banco do Brasil, indicado pelo PMDB. Maguito Vilela: Eu precisava falar com você na quarta-feira.FS: Eu lhe prometo o seguinte... Você está no Banco do Brasil, né? MV: Tenho estado muito com o seu pai. FS: Amanhã, eu vou passar em Brasília. Seu eu conseguir passar cedo, eu lhe aviso e a gente já conversa.
Superior Tribunal de Justiça
28 de março de 2008 As conexões de Fernando Sarney também se estendem aos tribunais. Ele conversa com o pai sobre o andamento de um processo. Sarney: Olha, o processo foi distribuído, o novo, para o Galotti. FS: Certo. Sarney: Se puder falar com o seu amigo pra dar uma palavrinha... tá? FS: OK, pra fazer a mesma coisa. Sarney: O que foi feito lá no STJ.
Os CDs que vazaram na Justiça Federal do Maranhão ainda poderão trazer muitas novidades. Candidato ao governo do Rio Grande do Sul pelo PT, o ministro da Justiça, Tarso Genro, diz que o vazamento de informações sob segredo de Justiça é "natural". Uma das poucas pessoas que saíram em defesa de Sarney foi o presidente Lula, que de novo pediu cuidado com a biografia do acusado. Sarney é hoje um dos principais pilares da frágil base de sustentação do governo no Senado, que se ruir pode comprometer o sonho do PT de eleger a ministra Dilma Rousseff à Presidência em 2010. O filho mais velho de Sarney não tem voto. No entanto, sua maneira de agir o coloca como o 82º senador do Brasil. Não por ter apresentado projetos de lei, mas pela capacidade de usar a influência da família para se envolver em práticas que a sociedade repudia
Hugo Marques

O estrategista da oposição

PSDB monta bunker na CPI da Petrobras e escala ex-senador Antero Paes de Barros para atuar nos bastidores


A CPI da Petrobras vai tirar das sombras um dos quadros mais atuantes da oposição e que estava afastado do Senado desde 2006. Trata-se do tucano Antero Paes de Barros, que foi escalado para comandar uma espécie de "Quartel-General (QG)" do PSDB cujo objetivo será o de reunir munição contra a estatal presidida por José Sérgio Gabrielli.O bunker tucano vai ser instalado em uma sala anexa ao gabinete do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), para o qual também já foram recrutados técnicos do TCU. Pelo menos 12 assessores altamente qualificados trabalharão diuturnamente no QG para alimentar as denúncias contra o governo. O convite partiu do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), com quem Paes de Barros mantém uma antiga relação de amizade. "Houve realmente o convite, só não haverá necessidade de eu estar no comando direto desse projeto", nega Paes de Barros.

Pelo fato de conhecer como poucos os meandros do poder e transitar com discrição nos bastidores, Paes de Barros já foi batizado no meio político como "Zé Dirceu da oposição" - em referência ao ex-ministro petista. Apesar do seu retorno aos holofotes a partir da instalação da CPI da Petrobras, Paes de Barros já trabalha com afinco visando às eleições de 2010. Segundo apurou ISTOÉ, em Mato Grosso, seu Estado, ele tem atuado ao lado de seu dileto amigo e fiel escudeiro, o prefeito de Cuiabá, Wilson Santos (PSDB), na tentativa de retardar ao máximo as obras do PAC na capital mato-grossense. A estratégia, definida numa reunião com caciques tucanos, é não dar um palanque forte para a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, em Mato Grosso, que é uma das principais apostas eleitorais do PSDB em 2010.A tática parecia estar dando certo. As obras em Cuiabá do chamado ETA Tijucal, orçadas em R$ 124 milhões, estão paradas. "De fato alguns itens não estavam de acordo com a tabela exigida pelo governo federal, fizemos uma repactuação e as obras dependem de uma nova autorização da Caixa", confirmou Aparecido Alves, gestor do PAC cuiabano. Em março, a Controladoria-Geral da União (CGU) identificou um superfaturamento no PAC cuiabano de R$ 15 milhões. Mas agora, em novo relatório de 50 páginas, a CGU pede que a prefeitura detalhe a utilização de R$ 40 milhões. Segundo a Controladoria há indícios de novo superfaturamento e da existência de um conluio do prefeito Santos com empreiteiros. Ou seja, há risco de um efeito bumerangue. "Acho estranha a posição da CGU, já que estamos fazendo de tudo para nos adequar às exigências", alegou Alves. Procurado, Santos não retornou as ligações. Sua assessoria informou que ele estava em viagem oficial.


Sérgio Pardellas

A grande pizza do Congresso

“São todos bons pizzaiolos!”, apontou o presidente Lula ao tratar dos parlamentares que vão dirigir CPIs no Cong r e s so. Dava a senha para o povo imaginar como tudo vai acabar. Do outro lado, na plenária, o deputado Sérgio Moraes, que diz se lixar para a opinião pública, divertia-se com o resultado do julgamento do colega de Câmara – o Edmar Moreira, “do castelo” – absolvendo- o da acusação por quebra de decoro. “Essa polêmica me deu muitos pontos, nunca recebi tantos convites na vida, ganhei espaço”, comentava Moraes. O novo presidente do Conselho de Ética do Senado, Paulo Duque, antes mesmo de avaliar o mérito da questão, disse que ato secreto é uma “bobagem” e que não pode haver cassação por coisa pequena como contratação de parente. Os três atos da opereta bufa que se ensaia naquela casa dão claras demonstrações de que, ao menos aos olhos desses senhores, a pizza é mesmo um prato bem servido em qualquer ocasião. Na cena política, rasgou-se a fantasia desses atores. O regime de compadrio e de distribuição de benesses para locupletar todos da patota agora é praticado à luz do dia, sem constrangimentos nem pedido de desculpas. Na pizza após o espetáculo cada um pega a sua parte e resta aos eleitores limpar a sujeira. Vale nesse convescote parlamentar ingrediente estragado, como distribuição de vagas e passagens, boa prosa e decisão nenhuma. Uma rotina indecente que inclui a sucessão de práticas inomináveis por esse ou aquele congressista, com a bênção dos demais. Ninguém julga para não ser julgado. Ensaia-se uma indignação protocolar sem consequências práticas. Foi o que aconteceu mais uma vez logo após a classificação de Lula dos bons pizzaiolos. Senadores protestaram. Ameaçaram censura ao presidente, rebateram irados – como se os espectadores acreditassem neles. Pura atuação! Pode acompanhar a cena seguinte: mais tarde vão juntos comer um bom pedaço de pizza, como fez o próprio Lula ao elogiar o antigo adversário Collor. Nos bastidores estão se divertindo à custa de quem paga o ingresso.
Carlos José Marques

A sociedade secreta

O senador Efraim Morais mantém empresa com ex-funcionário acusado pelo Ministério Público de fraudar licitações no Senado


Mino Pedrosa, Sérgio Pardellas e Hugo Marques

O senador Efraim Morais (DEM-PB) subiu à tribuna na terça-feira 14 numa tentativa de se defender da denúncia publicada na última edição de ISTOÉ, segundo a qual ele seria um dos principais beneficiários de um esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de propinas que funcionaria na primeira secretaria da Casa. Pouco esclarecedor, o discurso de Efraim em nenhum momento refutou a principal acusação de um dos cabeças da organização citada na reportagem: a de que ele teria recebido uma comissão de R$ 300 mil mensais da Ipanema Empresa de Serviços Gerais e Transportes Ltda. que, alvo de uma investigação do Ministério Público por superfaturamento, teve seu contrato encerrado no Senado no final de março. Visivelmente desconfortável, Efraim limitou-se a ler uma carta redigida por Aloysio Brito Vieira, apontado na reportagem como o "operador do DEM", em que ele nega fazer parte do esquema, embora admita responder a ação de improbidade administrativa por irregularidades cometidas durante sua gestão à frente da Comissão de Licitação da Casa. O senador paraibano também recorreu a platitudes ao dizer que, segundo o próprio Ministério Público, "a ação de improbidade administrativa em relação às fraudes constatadas nas contratações do Senado não inclui nenhum senador", como se as investigações, em curso, já tivessem sido concluídas. O senador sabe que não estão. Apesar de Efraim ter dito que possui o apoio do DEM, apenas um senador de seu partido, o líder Agripino Maia (RN), aceitou aparteá-lo. Mesmo assim, não para defendê-lo, mas apenas para elogiar a iniciativa, divulgada durante o seu pronunciamento, para que o MP e o TCU promovam auditoria sobre os contratos sob suspeição firmados pelo Senado de 2003 até hoje.




NO CARTÓRIO
Em 2001, procura ção de Ferreira transferiu 50% das cotas da Chemonics para Efraim (à esq.)

O problema para Efraim é que, ao decidir solicitar nova auditoria nos contratos por ele subscritos durante sua gestão à frente da primeira secretaria do Senado, ele pode ter jogado contra si mesmo. Segundo apurou ISTOÉ, envolvido com a quadrilha acusada de fraudar as licitações no Senado, Eduardo Bonifácio Ferreira, que, de acordo com a investigação do MP, detinha a chave do gabinete de Efraim e era quem recebia os pacotes de dinheiro proveniente da propina e entregava ao senador, passou uma procuração ao parlamentar em novembro de 2001, no Cartório do 4º Ofício de Notas de Brasília. No documento, Ferreira transfere 50% das cotas do capital da Chemonics do Brasil para Efraim. Só que, estranhamente, em 2002, quando se elegeu senador, Efraim não declarou a existência da Chemonics em seu patrimônio. Para a Polícia Federal, este tipo de procuração pode ser uma fórmula para simular negócios. O CNPJ da Chemonics do Brasil, que aparece na procuração, na verdade pertence à Syngular Consultoria, que não tem nome fantasia. Detalhe: as duas empresas funcionam no mesmo endereço, no Bloco A da Quadra 111 Norte, em Brasília. Lá, os porteiros disseram que jamais funcionou uma empresa chamada Chemonics. No prédio, Ferreira era conhecido como dono da Syngular e se apresentava como "advogado e consultor". O sócio de Efraim é craque em abrir empresas.Ele é também dono da Fundamental Comércio e Serviços, B&M Consultoria, EBF Indústria, Comércio e Serviços e Puro Suco Comércio de Sucos. A Fundamental, que funciona num bloco de apartamentos no centro da capital, é especializada em vigilância, limpeza, treinamento, instrumentos odontomédico-hospitalares, cosméticos, perfumaria, comunicação multimídia e tecnologia da informação.







Uma das sócias de Ferreira é a arquiteta Luciana Nunes Heringer, gerente da Syngular. Procurada por ISTOÉ, ela não quis falar sobre a sociedade com Ferreira e nem sobre o tipo de serviço que a empresa presta. Seu marido, no entanto, o secretário-geral da Corregedoria do Tribunal de Justiça do DF, Mauro Brant Heringer, que ajudou a esposa a montar o negócio, lançou mais suspeitas sobre a sociedade secreta mantida entre Ferreira e Efraim: "Essa procuração do Eduardo para o senador Efraim foi feita de forma oculta", diz Heringer"A gente quer distância, minha mulher nunca passou nenhum recibo e nunca se encontrou com Efraim Morais." Heringer diz que sua família queria montar no País a Chemonics do Brasil, para representar a multinacional da área de assessoria ambiental, mas que a matriz no Exterior não aceitou a existência da empresa no País e determinou que a Syngular representasse a multinacional. Heringer acha estranho que o senador não tenha ido ao cartório com o sócio Ferreira para cancelar a procuração, depois que a Polícia Federal identificou a quadrilha que desviava dinheiro no Senado. "O senador deveria ter ido lá, no cartório, para cancelar, pois a procuração ainda está em vigor", diz Heringer.

UMA NOVA AVALANCHE DE DENÚNCIAS
Na semana em que o Congresso Nacional entrou em recesso, o senador José Sarney (PMDB-AP) contava as horas para tirar férias das denúncias que ameaçam sua permanência na presidência do Senado. Mas, na quartafeira 15, foi surpreendido com o indiciamento do filho Fernando José Macieira Sarney por corrupção e formação de quadrilha, entre outros crimes. Na véspera, ao saber que o filho iria depor na Polícia Federal no dia seguinte, fez contato com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ter a garantia de que Fernando não seria preso. Empresário numa família de políticos, o primogênito do clã Sarney depôs por mais de seis horas, depois deixou o local sem dar entrevista. Na quinta-feira 16, seu advogado divulgou nota afirmando que "as acusações não procedem".Para a Polícia Federal e o Ministério Público, que investigaram o filho do senador por quase três anos, no entanto, há indícios suficientes para apontá-lo como cabeça de uma organização criminosa que praticou crimes contra o sistema financeiro nacional e a administração pública, além de falsidade ideológica, fraude em licitações, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Para sustentar o esquema, segundo a PF, Fernando contava com a cumplicidade do ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau, indicado por Sarney, e do diretor financeiro da Eletrobrás, Astrogildo Quental, que depois cooptou o diretor de engenharia da Valec, Ulisses Assad. Com autorização judicial, os investigadores grampearam telefones e e-mails e quebraram os sigilos fiscal e bancário de vários membros da família Sarney.
Segundo a PF, Fernando também contou com o auxílio de um agente da própria corporação, Aluísio Guimarães Mendes Filho, ex-segurança de Sarney e hoje subsecretário de inteligência do governo Roseana. Nas escutas, o próprio presidente do Senado aparece conversando com o filho sobre informações do inquérito, que corre sob sigilo. Além de Fernando, a PF indiciou sua mulher, Teresa Murad, e deve fazer o mesmo com a filha Ana Clara Sarney, suposta cúmplice das atividades ilícitas que provavelmente envolvem três empresas do Grupo Mirante (TV Mirante, Gráfica Escolar e São Luís Factoring), do qual Fernando é superintendente.Foi uma movimentação suspeita de conta bancária da Gráfica Escolar que levou a PF a iniciar as investigações que deflagraram a agora chamada Operação Boi Barrica, referência ao grupo folclórico maranhense do qual Roseana Sarney é madrinha. Entre 23 e 26 de outubro de 2006, a poucos dias do segundo turno das eleições para o governo do Maranhão em que Roseana foi derrotada por Jackson Lago, o Coaf identificou dois saques feitos por Fernando num total de R$ 2 milhões. A movimentação foi interpretada como indício de "caixa 2". De acordo com a investigação da PF, uma das principais fontes de recursos ilícitos do "esquema Fernando" foram negócios envolvendo contratos públicos nos setores energético e de transportes, onde ele possui "trânsito livre para manipular licitações".Segundo o inquérito, empreiteiras eram cooptadas a participar das licitações para depois subcontratar empresas de Gianfranco Perasso e Flávio Barbosa Lima, que serviriam de laranjas para o esquema. Os dois são ex-sócios de Fernando e cursaram engenharia com ele na mesma turma da USP. A PF descreve o pagamento de R$ 160 mil feito pela empreiteira EIT à PBL Construtora, de Perasso e Lima, supostamente como propina por ter sido subcontratada para obras da Ferrovia Norte- Sul com a mediação de Fernando. Além de servir aos objetivos políticos do clã Sarney, parte do dinheiro obtido ilegalmente abastecia contas em paraísos fiscais no Caribe e na Ásia, segundo a PF. O presidente do Senado não se manifestou em público sobre a denúncia, mas na sexta-feira 17 discursou em tom de desabafo para um plenário vazio."Sêneca dizia que a injustiça somente pode ser combatida com três ações: o silêncio, a paciência e o tempo", afirmou Sarney, citando o filósofo romano Lucius Aneu Sêneca. "Jamais pratiquei qualquer ato que não se amparasse na ética e na lei."
Além da sociedade suspeita com um dos integrantes do esquema de desvio de dinheiro das empresas fornecedoras do Senado, Efraim preferiu omitir em seu discurso outro fato revelador de sua íntima ligação com a empresa Ipanema, a mesma que, segundo denúncia recebida por ISTOÉ, pagava ao senador uma propina mensal de R$ 300 mil. No apagar das luzes de 2008, já no fim de sua gestão na primeira secretaria, Efraim subscreveu um processo no qual pediu uma indenização à empresa, àquela altura já questionada pelo MP por irregularidades nos contratos firmados com o Senado, no valor de R$ 700 mil. O processo, ao qual ISTOÉ teve acesso, é o de número 014793/08-3. A indenização teria como objetivo cobrir despesas da Ipanema com horas extras pagas a antigos terceirizados do Senado. Só não foi paga porque, tão logo assumiu o lugar de Efraim na primeira secretaria, o senador e seu colega de partido Heráclito Fortes (PI) identificou um equívoco no cálculo feito pela empresa sobre os supostos créditos e mandou suspender os repasses. "Tomei uma decisão sustentado pela área técnica da Casa", justifica Efraim. Detalhe: o gestor deste contrato é Aloysio Brito Vieira, aquele que nega ser o "operador do DEM". Procurado por ISTOÉ, Efraim não retornou ligações até o encerramento da edição.

Os novos capítulos da crise trazidos à tona por ISTOÉ acirraram a queda de braço entre os partidos durante a semana. O DEM acusou o PMDB de trabalhar nos bastidores para tentar retomar a direção-geral do Senado, nas mãos do partido até a saída de Agaciel Maia do cargo em março. O PMDB, por sua vez, passou a mirar nas mazelas da administração do DEM que há pelo menos 12 anos controla com mão de ferro a primeira secretaria. Na quarta-feira 15, em meio ao tiroteio na Casa, que ainda ameaça a permanência do senador José Sarney (PMDB-AP) na presidência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como se lançasse uma boia de salvação para o aliado do PMDB, avocou os holofotes da crise para si ao declarar que os senadores da oposição seriam "bons pizzaiolos" ao referir-se à CPI da Petrobras. O termo irritou os senadores que, em votação em plenário, rejeitaram a recondução de Bruno Pagnoccheschi para o cargo de diretor da Agência Nacional de Águas (ANA). No dia anterior, em Alagoas, Lula já havia irritado a oposição ao elogiar os senadores Fernando Collor (PTB-AL) e Renan Calheiros (PMDBAL), que pertencem a partidos da sua base aliada. "Eu quero aqui fazer Justiça ao comportamento do senador Collor e do senador Renan, que têm dado uma sustentação muito grande aos trabalhos do governo no Senado", disse.

A mão pesada que dirige o Senado

Nomeado para pôr ordem na Casa, o novo diretor-geral é acusado de agredir a mulher e a sogra

AMEAÇA DE MORTE Autoridade no Senado, Haroldo é considerado perigoso na ação penal

Lotado no Senado Federal desde 1986, Haroldo Feitosa Tajra foi o braço direito de todos os primeirossecretários da Casa desde a gestão de Carlos Wilson, em 2001. Lá, ajudou a administrar um Orçamento de R$ 2,7 bilhões por ano e esteve à frente de muitas licitações para contratação de empresas fornecedoras. Conhecia como poucos o funcionamento das nomeações e transferências de verbas feitas por intermédio dos chamados atos secretos, estopim para a sucessão de escândalos no Senado. Este ano, em meio à crise que apeou da diretoria-geral o até então todo-poderoso Agaciel Maia, Tajra foi indicado pelo atual primeirosecretário Heráclito Fortes (DEM-PI) como novo diretor do Senado.A relação com Heráclito é antiga. Os dois são piauienses e suas famílias se conhecem há duas décadas. Haroldo é primo do primeiro-suplente de Heráclito, Jesus Tajra, que foi deputado pelo Pfl, hoje DEM. Só que, nomeado há menos de um mês numa tentativa de pôr um ponto final aos desmandos e irregularidades cometidas no Senado, o novo diretor-geral já corre o risco de ter o mesmo destino do antecessor.Conforme denunciou ISTOÉ em sua última edição, Haroldo é um dos expoentes da estrutura operada pelo servidor Aloysio Brito Vieira que o DEM montou para controlar com mão de ferro a primeira secretaria. Entre 2005 e 2008, atuou afinado com o primeirosecretário Efraim Morais (DEM-PB), que agora é acusado de receber R$ 300 mil mensais da Ipanema Empresa de Serviços Gerais e Transportes. Também foi frequentador assíduo das festas promovidas em Brasília pelo ex-primeiro-secretário Romeu Tuma (ex-DEM hoje PTB-SP) e seu filho Robson, o Tuminha, que durante a administração do pai, entre 2003 e 2004, tinha contatos frequentes com o grupo que organizava as licitações do Senado. Haroldo mantinha ainda um relacionamento estreito com o ex-diretor da Câmara Adelmar Sabino, que prestou consultoria a Tuma no período em que ele comandava a primeira secretaria. Graças a sua grande influência e capacidade de operar nos bastidores, Sabino passou 18 anos no comando administrativo da Câmara. Era uma espécie de Agaciel Maia de lá. Quando chegou ao Salão Azul, Sabino teve Haroldo como aliado de primeira hora, graças a sua boa relação com o empresariado.


O diretor-geral, no entanto, deixou marcas no passado que podem manchar o currículo de um alto funcionário público que ainda precisa ter seu nome aprovado em sabatina no plenário do Senado para manter-se num dos cargos mais importantes do Congresso Nacional. Os papéis que podem jogar luz sobre a personalidade do novo diretor, responsável por administrar a vida de dez mil servidores, estão protegidos por segredo judicial em um processo que tramita na 4ª Vara do Tribunal de Justiça de Brasília. Recheado de ocorrências policiais, fotografias e laudos do IML, o volumoso processo expõe um personagem destemperado. Dono de uma personalidade agressiva, o diretor-geral é acusado de ameaçar de morte e de espancar a ex-mulher, a sogra e a amante, além de coagi-las física e psicologicamente na tentativa de reaver parte de seus bens. “Ele já me agrediu enquanto eu segurava minha filha de três meses no colo”, denunciou à ISTOÉ sua ex-mulher, a descendente de árabes Cálida Ghazaleh Tajra, com quem Haroldo foi casado por dez anos e teve três filhos. De acordo com os autos, ela fez três queixas formais à Delegacia da Mulher em Brasília contra Haroldo, por lesão corporal e ameaças. As denúncias formais foram feitas entre 2000 e 2002. Em uma das ameaças, Cálida conta que ouviu do ex-marido: “Você se prepara, qualquer dia você vai cair dura no chão.”
As ameaças de Haroldo também foram feitas por escrito. Em 2006, Cálida encontrou entre os documentos do marido anotações redigidas pelo próprio reveladoras do seu comportamento agressivo. O texto diz o seguinte: “Ferrar com Cálida financeiramente para aplacar a minha ira. Conversar com a Ousseima antes da conversa com a Cálida”, numa alusão à ex-sogra. Os bilhetes ainda fazem referência à compra de uma arma: “Comprar uma arma – treinar antes do encontro fatal.”

Haroldo foi procurado por ISTOÉ na quarta-feira 15 para falar sobre o processo. Por intermédio da assessoria de imprensa do Senado, o diretor-geral disse que não iria falar sobre sua vida pessoal. Mas agiu nos bastidores para evitar que os processos ganhassem o conhecimento público. Até a quartafeira 15, o processo, registrado no TJ do DF com o número 2007.01.1.125284- 4, poderia ser acessado livremente por quem navegasse no site do tribunal.A partir de quinta-feira, no entanto, Haroldo conseguiu retirar seu nome da página do TJ na internet. No lugar, ficaram somente as iniciais de seu nome: “H.F.T.”. Todas as informações do processo, agora, estão em “segredo de Justiça”. O acesso está restrito às partes. Na sexta-feira 17, Haroldo, por intermédio de sua assessoria, admitiu que sua separação foi “traumática” e em decorrência dela contraiu uma psoríase. Ele nega, no entanto, que tenha espancado a ex-mulher.Cálida diz que em 2002, em meio à separação, cedeu às pressões de Haroldo para que convencesse a mãe, Ousseima Imad, a retirar uma denúncia contra ele, também por agressão. O acerto foi feito na presença de representantes do Ministério Público. “Minha mãe retirou a queixa porque eu estava grávida da Ana, minha filha. Não queria me separar dele. Pedi a ela para não levar adiante”, diz Cálida. Em troca, a ex-mulher esperava uma reconciliação. Mas não foi possível. Depois de nova agressão, Cálida e Haroldo se separaram. Mas a dor de cabeça não acabou. Ameaçada novamente por Haroldo, Cálida aceitou transferir 75% de todos os bens da família para ele.“Abri mão dos bens porque eu tinha medo dele”, disse à ISTOÉ. “Achei que fazendo isso eu e minha família teríamos paz, mas me enganei, não tive paz mais.” Além da quase totalidade dos imóveis, diz a ex-mulher, Haroldo ficou com os dois carros e com todo o dinheiro da conta bancária da família. Em 2007, Cálida impetrou na Justiça de Brasília uma ação contra Haroldo, em que pede assistência judiciária gratuita. Ela trabalha como secretária no Sindicato dos Delegados da Polícia Federal e ganha R$ 1 mil por mês. Cálida tenta se proteger na Justiça porque Haroldo, diz ela, agora quer metade do apartamento onde ela mora com os três filhos menores, no Setor Sudoeste, em Brasília. “Ele paga pensão de dois filhos, mas o dinheiro não dá”, diz ela. “A gente vive contando os centavos.”
Hugo Marques, Mino Pedrosa e Sérgio Pardellas

A conta de Virgílio

Tucano diz que ainda espera cálculo do Senado para devolver dinheiro


O senador Arthur Virgílio (PSDBAM) prometeu, mas ainda não cumpriu. Na tribuna, disse que iria restituir aos cofres públicos os gastos com o funcionário fantasma Carlos Alberto Nina Neto, filho de seu amigo e subchefe de gabinete, Carlos Homero Nina. Como revelou ISTOÉ, Nina Neto foi contratado em 2003 como assistente técnico. Entre maio e julho de 2005, foi estudar em Barcelona. Também ficou fora do País entre outubro de 2006 e novembro de 2007. Apesar da ausência, Nina Neto continuou embolsando o salário de R$ 10 mil, o que numa conta extraoficial daria cerca de R$ 170 mil, sem juros, contando os dois períodos no Exterior.Em 29 de junho, após a denúncia de ISTOÉ, que repercutiu na revista inglesa The Economist, Virgílio admitiu o erro. Dois dias depois, chegou a anunciar que venderia imóveis para ressarcir o contribuinte o que pagou indevidamente ao ex-servidor. Em casos assim, o senador deve encaminhar ofício à Mesa Diretora pedindo o cálculo de sua dívida. A assessoria de Virgílio garante que ele fez o pedido à diretora de RH, Doriz Marize Peixoto, mas não apresentou cópia do ofício.

Por que o estado gasta tanto

Nas últimas décadas, o Brasil empreendeu uma gigantesca desmobilização do Estado-empresário. Privatizou várias estatais, terceirizou serviços e abriu a economia interna ao mundo, dentro de um objetivo claro de modernizar o País e colocá-lo em sintonia com a onda de globalização. O Estado mais magro pressupunha eficiência e todo o repasse de ativos e passivos à iniciativa privada deveria vir acompanhado de um natural encolhimento de custos. Não veio. Ao contrário. Gradativamente, ao longo dos últimos anos, governos municipais, estaduais e federal foram erguendo uma montanha de dívidas. Para honrá-la, apostou-se na arrecadação tributária sem limites. Na semana passada, números divulgados pela própria Receita Federal mostravam o tamanho da brutal conta que recaiu sobre os ombros do contribuinte. A carga fiscal alcançou o histórico recorde de 36% do PIB. Para ser ter uma ideia da dimensão desse peso tributário, basta dizer que ele é praticamente o dobro do verificado na economia mexicana, que tem estrutura de PIB semelhante à daqui. O índice é maior que o dos EUA, da Suíça e de praticamente todos os países vizinhos com os quais o Brasil faz fronteira. O que explica essa sanha desmedida? Tome-se, por exemplo, a prática sinalizada na semana passada pelos vários ministros que estão aumentando despesas e pedindo mais dinheiro ao Tesouro. Às vésperas das eleições, os titulares desses ministérios – muitos dos quais candidatos a novos mandatos – querem fazer bonito com o dinheiro alheio. O governo federal incentiva, elevando exponencialmente os custos com o funcionalismo público. O inchaço da máquina, apesar da dieta das estruturas empresariais que aconteceu com as privatizações, é visível. O Estado gastador flerta com a ideia de ser um Estado ainda mais interventor e populista, distribuindo benesses em troca do voto. Algo arcaico no mundo contemporâneo, mas bem ao gosto de gestões bananeiras que montam seus guichês de favores e praticam abertamente o é dando que se recebe. Nessa direção, a União comunicou que vai aceitar renegociar as dívidas dos Estados e trabalha para uma alforria de pagamentos de compromissos em vários setores estatais. No Legislativo, o Senado torra quase R$ 3 bilhões ao ano – parte com viagens ao Exterior, parte com um nepotismo descarado. Dá para entender por que o seu imposto está tão alto?
Carlos José Marques

Um almirante na mira da polícia

Dono de um iate de R$ 3 milhões, Euclides Matos, ex-chefe do Estado-Maior, é acusado num esquema de importações subfaturadas
Francisco Alves Filho

Em 44 anos de carreira na Marinha, o almirante Euclides Duncan Janot de Matos ocupou vários cargos importantes, chefiou o Estado-Maior da Armada e foi apontado, em 2007, como candidato a comandante da Força. Atualmente na reserva, Matos acabou por ter seu nome e seus títulos manchados no dia 30 de junho, quando se tornou o primeiro oficial quatro estrelas das Forças Armadas brasileiras preso por crime comum.Foi fisgado na Operação Luxo, da Polícia Federal do Ceará, junto com os donos do estaleiro Inace (Indústria Naval do Ceará) e da empresa Marimar. Todos são acusados de integrar um esquema de importação ilegal de artigos subfaturados. O ponto de partida foi uma denúncia oferecida em 2006 pelo Ministério Público Federal do Ceará. Nela, Matos é acusado de receber de presente o Bucaneiro, um trawler (espécie de superiate), por intermediar ilegalmente negócios do Inace com a Marinha.Naquele ano, o estaleiro fechou contratos no valor de R$ 103 milhões para construir navios-patrulha. Agora, a PF acusa o almirante de ajudar a fraudar licitações da Marinha e da Petrobras. Recentemente, ele trocou o Bucaneiro por outro barco, ainda maior, registrado em nome de sua empresa: é o Safira, embarcação de 75 pés (22,86 m), também fabricada pelo Inace, avaliada em R$ 3 milhões.No esquema descoberto pela PF, as empresas importavam peças e equipamentos destinados à construção de embarcações civis e militares. Os contêineres transportavam também artigos supérfluos de luxo. Tudo era subfaturado. "Na nota fiscal falsa, um relógio importado por quatro mil euros aparecia como se tivesse sido adquirido por cerca de US$ 100", explicou o delegado da PF Cláudio Joventino, que coordenou as apurações. Dessa forma, as empresas enganavam a alfândega brasileira, que cobrava impostos com base em valores equivalentes a 5% do custo real, lançados nos documentos falsificados.O Inace teria criado uma empresa em Miami para viabilizar a fraude. "É como se os produtos tivessem sido comprados lá, mas, na verdade, a empresa só emitiu a nota", explica Joventino. A principal peça no esquema era justamente o estaleiro Inace, cujos donos - Elisa Maria Gradvohl, Gil Bezerra e Robert Gil Bezerra - foram presos. Foi preso também o dono da Marimar, José Antônio do Carmo. O único acusado fora do Ceará foi o almirante Matos, que ganha de soldo cerca de R$ 15 mil e é dono da Internave Engenharia."Minha casa foi invadida por policiais federais com mandado de busca e apreensão", disse à ISTOÉ o militar da reserva, atualmente em liberdade, depois de cumprir prisão temporária. O almirante não quis comentar os motivos de sua detenção. "Ainda não tive acesso aos autos, não sei do que me acusam", disse. Assim como ele, todos os outros presos já foram libertados.Há oito anos, Matos foi acusado de malversação de recursos públicos quando, ainda como vice-almirante, comandava a Diretoria de Portos e Costas da Marinha. O Tribunal de Contas da União constatou irregularidades no convênio firmado com a Fundação de Estudos do Mar (Femar), no valor de R$ 4 milhões. O acordo serviu na verdade para contratar serviços e funcionários de forma irregular. Foram beneficiados vários oficiais reformados da Marinha, um deles dono de um escritório de advocacia - a diretoria possui assessoria jurídica própria -, e outros que emitiam recibos de autônomo, embora fossem funcionários efetivos do órgão. O TCU apurou que as falhas existiram, mas "não por má-fé".Na denúncia de 2006, o procurador da República Merton Vieira Filho concluiu que o almirante tinha ajudado ilegalmente o Inace a conseguir contratos com a Marinha, e tinha sido recompensado por isso com o barco Bucaneiro. Em sua defesa, Matos alegou que o valor do barco era de cerca de R$ 720 mil e tinha sido comprado por uma de suas empresas, a JM Empreendimentos Náuticos e Imobiliários Ltda. O capital social da JM era de R$ 552 mil - inferior, portanto, ao valor da embarcação. Diante da ação do MP, o almirante passou o barco à frente.Matos recorreu ao STJ e o processo foi transferido da 12ª para a 11ª Vara Federal do Ceará, onde provavelmente deverá ser encerrado. Sua nova dor de cabeça, no entanto, deve ser o sofisticado barco Safira, dotado de uma suíte, três dormitórios, sala de jantar, salão de jogos e dois banheiros. "Essa embarcação está em nome da Internave", diz Matos. O superiate foi fabricado pelo mesmo estaleiro Inace que a PF aponta como cabeça do esquema criminoso.


Palácio da discórdia

Marcada por desentendimentos, reforma do Planalto sobe 150% e corre o risco de ser embargada pelo TCU


Janelas empoeiradas, tapumes e uma cratera com sete metros de profundidade chamam a atenção de quem passa pelo Palácio do Planalto. O edifício símbolo do poder presidencial entrou em reforma há apenas um mês, mas a obra já virou alvo de ações judiciais devido a um pedido de crédito suplementar de R$ 118,2 milhões e ainda corre risco de ser paralisada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Parte da construção - o estacionamento - foi embargada há uma semana pelo governo do Distrito Federal (GDF) sob a alegação de que o terreno é de propriedade pública. A empreiteira Porto Belo abriu um enorme buraco para construir uma garagem de dois pavimentos, com passagens subterrâneas. O risco de que a reforma descaracterize o conjunto urbanístico da capital, tombado pelo patrimônio histórico, levou o Ministério Público a instaurar um inquérito.De acordo com a auditoria do TCU, também foram encontradas falhas em documentos técnicos, como ausência de assinatura no laudo da estrutura do Palácio. Ao ser questionado pelo tribunal, o secretário de Administração da Casa Civil, Norberto Temoteo de Queiroz, enviou ofício "urgente" ao escritório de representação do arquiteto Oscar Niemeyer, em Brasília. arquiteto Carlos Magalhães de Andrade se surpreendeu. "Nunca vi tamanha desorganização e incompetência." Para ele, muitos dos problemas da obra são culpa da "relutância" da Coordenação de Engenharia da Casa Civil, chefiada pelo engenheiro Eduardo Magalhães. "À quase totalidade das soluções apresentadas tínhamos sua contrapartida, e defendê-las tornou-se nossa rotina, maçante e dispendiosa", disse em carta à Casa Civil.Ele ainda menciona as discussões em torno da construção de uma torre externa. "Foi preciso o arquiteto Niemeyer solicitar liberdade para projetar. As áreas técnicas em subsolo carecem de revisão. Não há ordem no conjunto", acusa. Para o arquiteto, a "intermediação" da Coordenação de Engenharia "acabou sendo prejudicial ao atendimento dos prazos contratuais". "O projeto de restauração começou sem um programa arquitetônico definido", diz. Segundo o arquiteto, após a entrega do projeto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em dezembro, o escritório de Niemeyer foi alijado das discussões."Temos medo de que essa corrida para atender prazos comprometa a execução da reforma", diz Magalhães, em referência ao desejo do presidente Lula de ver a reforma concluída no aniversário de Brasília, em abril. Temoteo disse que todas as demandas do TCU têm sido atendidas e que encaminhou o laudo de estrutura assinado e as licenças de canteiro. Sobre o embargo, apresentou ao GDF a escritura do terreno e um relatório do próprio governo distrital, de 1990, atestando a propriedade da área. Em meio à confusão, a Presidência encaminhou sem muito alarde ao Congresso Nacional um pedido de crédito especial de R$ 118,2 milhões, o que turbinará o custo da obra em 150%, sendo que o valor do contrato assinado com a construtora Porto Belo foi de R$ 78,8 milhões. Sobre os R$ 118,2 milhões, a Casa Civil alega que foi "uma reserva feita antes da licitação". Mas o pedido de abertura do crédito é de 17 de junho, portanto posterior ao contrato com a Porto Belo, com data de 28 de maio.
Claudio Dantas Sequeira