O inquérito que ameaça Sarney

ISTOÉ teve acesso ao documento da pf sobre as estripulias do filho do presidente do Senado - e elas mostram mais que nepotismo

Um inquérito de três volumes da Polícia Federal ao qual ISTOÉ teve acesso na última semana pode ser decisivo para o destino do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O relatório de 157 páginas elaborado pelo setor de inteligência da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros condensa toda a investigação da chamada Operação Boi Barrica, um conjunto formado por gravações de 150 horas de conversas telefônicas, mensagens eletrônicas interceptadas e declarações de renda recolhidas pela Receita Federal por dezenas de pessoas físicas e jurídicas.O alvo principal do inquérito é o empresário Fernando Sarney, único filho do presidente do Senado que não se submeteu às urna, mas é responsável pelos negócios da família. No documento, Fernando é tratado como membro de "primeiro escalão" de uma "organização criminosa", auxiliado por Astrogildo Quental, diretor financeiro da Eletrobrás, e Silas Rondeau, ex-ministro de Minas e Energia, ambos ligados politicamente ao senador José Sarney.As conversas gravadas pela PF mostram que a atuação de Fernando Sarney nos bastidores do ministério e de estatais não se limita à prática de nepotismo. "além de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, temos convicção de que houve tráfico de influência de forma a colocar o que é público a serviço do privado", diz um dos delegados que participaram das investigações. O ponto de partida do inquérito foi a criação da empresa São Luis Factoring e Fomento Mercantil, uma empresa sem funcionários que funciona na sede do Grupo Mirante, a holding de empresas de comunicação da família Sarney, em São Luís (MA). Entre 2002 e 2006, a São Luis Factoring declarou receita bruta de R$ 1,7 milhão. Mas no mesmo período teve movimentação financeira 24 vezes maior, de R$ 41,6 milhões, segundo análise da Receita Federal. Diante da possibilidade do crime de sonegação fiscal, a Justiça Federal autorizou a abertura do sigilo fiscal, bancário e telefônico da empresa e de seus proprietários. Na Justiça, os advogados de Fernando afirmam que não há crime em abrir uma factoring para resolver os problemas financeiros do próprio grupo. Mas, em conversas telefônicas interceptadas em janeiro de 2008, a mulher do empresário, Teresa Cristina Murad Sarney, sócia da factoring, menciona a um interlocutor "aquele dinheiro que a gente sacava na época da campanha". O relatório mostra que a PF descobriu movimentações de R$ 2 milhões que fariam parte de um suposto caixa 2 utilizado na campanha derrotada de Roseana Sarney rumo ao governo do Maranhão em 2006.Em um pente-fino nas contas da Televisão Mirante e da Gráfica Escolar, a PF descobriu que estas empresas declararam, em cinco anos, R$ 25 milhões em "despesas financeiras", ou seja, a rubrica onde são lançados pagamentos a título de comissão ou deságio pela utilização do serviço de factoring. A polícia diz que a factoring fez movimentações para a família. Ana Clara Murad Sarney, filha de Fernando Sarney, chegou a mandar um e-mail para a mãe com um pedido de movimentação de US$ 1 milhão no Exterior. "Ana Clara participa ativamente das atividades ilícitas da família", registrou a PF no documento.


A Lupama Comércio, que pertence a Gianfranco Perasso e Flávio Lima, colegas de faculdade de Fernando, não tem, segundo o relatório da PF, capital social nem sede, mas ficou responsável por um contrato de R$ 250 milhões. A PF monitorou encontro de Gianfranco em Brasília com Silas Rondeau e com Ulisses Assad, diretor da Valec. Silas seria sócio de empresas que operam o esquema, como a PRX Engenharia, segundo documentos obtidos pela PF.Os agentes interceptaram e-mail que Silas recebeu do vice-presidente da Engevix Engenharia, José Antunes Sobrinho, negociando preenchimento de contratos no setor elétrico. "O grupo pode estar se utilizando de sua influência no meio para obtenção de vantagens", diz o documento da PF. "Sobretudo com a participação de exploração no setor mediante a utilização de pequenas centrais hidrelétricas." O grupo ligado a Fernando também fechou contrato para venda de ações da Energética Corumbá III, tendo como cliente final a Eletronorte. É quando aparece o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, velho aliado da família Sarney. A PF monitorou ligação em que os interlocutores falam em "pressionar" o ministro Lobão para receber o Citibank em audiência. Nos diálogos com Astrogildo, Fernando fala sobre indicações para postos na Eletrobrás."Vou ver se eu consigo com o Lobão, em Brasília, semana que vem", diz ele, sobre uma suposta reivindicação do grupo no Ministério de Minas e Energia.Foi nesse pacote de 150 horas de gravações que a PF registrou o caso de nepotismo no Senado, divulgado pelo jornal "O Estado de S. Paulo" na última semana. O episódio relaciona diretamente o presidente do Senado aos atos secretos.Uma sequência de seis diálogos entre 30 de março e 2 de abril de 2008 mostra a facilidade de Fernando para nomear, no Senado, Henrique Dias Bernardes, namorado de sua filha Maria Beatriz.Na primeira conversa, Beatriz pede ao pai para empregar o namorado na vaga do irmão, que estava deixando o cargo. Fernando diz que não haverá problema e pede à filha para conversar como o ex-diretor do Senado, Agaciel Maia. No último diálogo, Fernando fala com o senador Sarney. Depois de pedir a benção, diz que a nomeação de Henrique já fora acertada como Agaciel e que bastaria o senador falar com o diretor da Casa para finalizar o caso. Sarney responde: "Tá bom. Vou falar com ele". Henrique trabalha meio período na diretoria do Centro Médico do Senado e recebe R$ 2,7 mil por mês.

"Obrigado, papai"Diálogos interceptados pela Polícia Federal mostram a influência de Fernando Sarney em todas as esferas do poder
Senado
31 de março de 2008 Bia (neta de Sarney) fala com o pai sobre a indicação do namorado para um cargo no Senado.
Fernando Sarney: Eu vou falar com o papai ou eu mesmo com o Garibaldi amanhã aí em Brasília, porque é o único jeito de resolver. Bia: Tá bom. FS: E, se for o caso, pra ele já levar tudo do Henrique e já dizer: 'Ó, a pessoa que o Fernando quer botar é essa aqui.'
2 de abril de 2008 O senador José Sarney conversa com o filho Fernando sobre o emprego do namorada da neta Sarney: Alô. FS: Benção, pai.Sarney: Deus lhe abençoe. Olha, você não tinha me falado o negócio da Bia... FS: Não, não, ela falou comigo sextafeira... Eu falei com o Agaciel. Sarney: Já falou com o Agaciel? FS: Eu falei, falei. Sarney: Tá bom. Eu vou falar com ele... Ontem, foi assinado o negócio da TV de Estreito, a repetidora. FS: Foi? Sarney: É. FS: Beleza, ótimo. Isso é uma boa notícia. Sarney: Tá bom. FS: Ótima notícia, tá, paizão, obrigado.
Banco do Brasil
26 de março de 2008 Fernando Sarney conversa com exsenador Maguito Vilela, à época vice-presidente do Banco do Brasil, indicado pelo PMDB. Maguito Vilela: Eu precisava falar com você na quarta-feira.FS: Eu lhe prometo o seguinte... Você está no Banco do Brasil, né? MV: Tenho estado muito com o seu pai. FS: Amanhã, eu vou passar em Brasília. Seu eu conseguir passar cedo, eu lhe aviso e a gente já conversa.
Superior Tribunal de Justiça
28 de março de 2008 As conexões de Fernando Sarney também se estendem aos tribunais. Ele conversa com o pai sobre o andamento de um processo. Sarney: Olha, o processo foi distribuído, o novo, para o Galotti. FS: Certo. Sarney: Se puder falar com o seu amigo pra dar uma palavrinha... tá? FS: OK, pra fazer a mesma coisa. Sarney: O que foi feito lá no STJ.
Os CDs que vazaram na Justiça Federal do Maranhão ainda poderão trazer muitas novidades. Candidato ao governo do Rio Grande do Sul pelo PT, o ministro da Justiça, Tarso Genro, diz que o vazamento de informações sob segredo de Justiça é "natural". Uma das poucas pessoas que saíram em defesa de Sarney foi o presidente Lula, que de novo pediu cuidado com a biografia do acusado. Sarney é hoje um dos principais pilares da frágil base de sustentação do governo no Senado, que se ruir pode comprometer o sonho do PT de eleger a ministra Dilma Rousseff à Presidência em 2010. O filho mais velho de Sarney não tem voto. No entanto, sua maneira de agir o coloca como o 82º senador do Brasil. Não por ter apresentado projetos de lei, mas pela capacidade de usar a influência da família para se envolver em práticas que a sociedade repudia
Hugo Marques

O estrategista da oposição

PSDB monta bunker na CPI da Petrobras e escala ex-senador Antero Paes de Barros para atuar nos bastidores


A CPI da Petrobras vai tirar das sombras um dos quadros mais atuantes da oposição e que estava afastado do Senado desde 2006. Trata-se do tucano Antero Paes de Barros, que foi escalado para comandar uma espécie de "Quartel-General (QG)" do PSDB cujo objetivo será o de reunir munição contra a estatal presidida por José Sérgio Gabrielli.O bunker tucano vai ser instalado em uma sala anexa ao gabinete do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), para o qual também já foram recrutados técnicos do TCU. Pelo menos 12 assessores altamente qualificados trabalharão diuturnamente no QG para alimentar as denúncias contra o governo. O convite partiu do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), com quem Paes de Barros mantém uma antiga relação de amizade. "Houve realmente o convite, só não haverá necessidade de eu estar no comando direto desse projeto", nega Paes de Barros.

Pelo fato de conhecer como poucos os meandros do poder e transitar com discrição nos bastidores, Paes de Barros já foi batizado no meio político como "Zé Dirceu da oposição" - em referência ao ex-ministro petista. Apesar do seu retorno aos holofotes a partir da instalação da CPI da Petrobras, Paes de Barros já trabalha com afinco visando às eleições de 2010. Segundo apurou ISTOÉ, em Mato Grosso, seu Estado, ele tem atuado ao lado de seu dileto amigo e fiel escudeiro, o prefeito de Cuiabá, Wilson Santos (PSDB), na tentativa de retardar ao máximo as obras do PAC na capital mato-grossense. A estratégia, definida numa reunião com caciques tucanos, é não dar um palanque forte para a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, em Mato Grosso, que é uma das principais apostas eleitorais do PSDB em 2010.A tática parecia estar dando certo. As obras em Cuiabá do chamado ETA Tijucal, orçadas em R$ 124 milhões, estão paradas. "De fato alguns itens não estavam de acordo com a tabela exigida pelo governo federal, fizemos uma repactuação e as obras dependem de uma nova autorização da Caixa", confirmou Aparecido Alves, gestor do PAC cuiabano. Em março, a Controladoria-Geral da União (CGU) identificou um superfaturamento no PAC cuiabano de R$ 15 milhões. Mas agora, em novo relatório de 50 páginas, a CGU pede que a prefeitura detalhe a utilização de R$ 40 milhões. Segundo a Controladoria há indícios de novo superfaturamento e da existência de um conluio do prefeito Santos com empreiteiros. Ou seja, há risco de um efeito bumerangue. "Acho estranha a posição da CGU, já que estamos fazendo de tudo para nos adequar às exigências", alegou Alves. Procurado, Santos não retornou as ligações. Sua assessoria informou que ele estava em viagem oficial.


Sérgio Pardellas

A grande pizza do Congresso

“São todos bons pizzaiolos!”, apontou o presidente Lula ao tratar dos parlamentares que vão dirigir CPIs no Cong r e s so. Dava a senha para o povo imaginar como tudo vai acabar. Do outro lado, na plenária, o deputado Sérgio Moraes, que diz se lixar para a opinião pública, divertia-se com o resultado do julgamento do colega de Câmara – o Edmar Moreira, “do castelo” – absolvendo- o da acusação por quebra de decoro. “Essa polêmica me deu muitos pontos, nunca recebi tantos convites na vida, ganhei espaço”, comentava Moraes. O novo presidente do Conselho de Ética do Senado, Paulo Duque, antes mesmo de avaliar o mérito da questão, disse que ato secreto é uma “bobagem” e que não pode haver cassação por coisa pequena como contratação de parente. Os três atos da opereta bufa que se ensaia naquela casa dão claras demonstrações de que, ao menos aos olhos desses senhores, a pizza é mesmo um prato bem servido em qualquer ocasião. Na cena política, rasgou-se a fantasia desses atores. O regime de compadrio e de distribuição de benesses para locupletar todos da patota agora é praticado à luz do dia, sem constrangimentos nem pedido de desculpas. Na pizza após o espetáculo cada um pega a sua parte e resta aos eleitores limpar a sujeira. Vale nesse convescote parlamentar ingrediente estragado, como distribuição de vagas e passagens, boa prosa e decisão nenhuma. Uma rotina indecente que inclui a sucessão de práticas inomináveis por esse ou aquele congressista, com a bênção dos demais. Ninguém julga para não ser julgado. Ensaia-se uma indignação protocolar sem consequências práticas. Foi o que aconteceu mais uma vez logo após a classificação de Lula dos bons pizzaiolos. Senadores protestaram. Ameaçaram censura ao presidente, rebateram irados – como se os espectadores acreditassem neles. Pura atuação! Pode acompanhar a cena seguinte: mais tarde vão juntos comer um bom pedaço de pizza, como fez o próprio Lula ao elogiar o antigo adversário Collor. Nos bastidores estão se divertindo à custa de quem paga o ingresso.
Carlos José Marques

A sociedade secreta

O senador Efraim Morais mantém empresa com ex-funcionário acusado pelo Ministério Público de fraudar licitações no Senado


Mino Pedrosa, Sérgio Pardellas e Hugo Marques

O senador Efraim Morais (DEM-PB) subiu à tribuna na terça-feira 14 numa tentativa de se defender da denúncia publicada na última edição de ISTOÉ, segundo a qual ele seria um dos principais beneficiários de um esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de propinas que funcionaria na primeira secretaria da Casa. Pouco esclarecedor, o discurso de Efraim em nenhum momento refutou a principal acusação de um dos cabeças da organização citada na reportagem: a de que ele teria recebido uma comissão de R$ 300 mil mensais da Ipanema Empresa de Serviços Gerais e Transportes Ltda. que, alvo de uma investigação do Ministério Público por superfaturamento, teve seu contrato encerrado no Senado no final de março. Visivelmente desconfortável, Efraim limitou-se a ler uma carta redigida por Aloysio Brito Vieira, apontado na reportagem como o "operador do DEM", em que ele nega fazer parte do esquema, embora admita responder a ação de improbidade administrativa por irregularidades cometidas durante sua gestão à frente da Comissão de Licitação da Casa. O senador paraibano também recorreu a platitudes ao dizer que, segundo o próprio Ministério Público, "a ação de improbidade administrativa em relação às fraudes constatadas nas contratações do Senado não inclui nenhum senador", como se as investigações, em curso, já tivessem sido concluídas. O senador sabe que não estão. Apesar de Efraim ter dito que possui o apoio do DEM, apenas um senador de seu partido, o líder Agripino Maia (RN), aceitou aparteá-lo. Mesmo assim, não para defendê-lo, mas apenas para elogiar a iniciativa, divulgada durante o seu pronunciamento, para que o MP e o TCU promovam auditoria sobre os contratos sob suspeição firmados pelo Senado de 2003 até hoje.




NO CARTÓRIO
Em 2001, procura ção de Ferreira transferiu 50% das cotas da Chemonics para Efraim (à esq.)

O problema para Efraim é que, ao decidir solicitar nova auditoria nos contratos por ele subscritos durante sua gestão à frente da primeira secretaria do Senado, ele pode ter jogado contra si mesmo. Segundo apurou ISTOÉ, envolvido com a quadrilha acusada de fraudar as licitações no Senado, Eduardo Bonifácio Ferreira, que, de acordo com a investigação do MP, detinha a chave do gabinete de Efraim e era quem recebia os pacotes de dinheiro proveniente da propina e entregava ao senador, passou uma procuração ao parlamentar em novembro de 2001, no Cartório do 4º Ofício de Notas de Brasília. No documento, Ferreira transfere 50% das cotas do capital da Chemonics do Brasil para Efraim. Só que, estranhamente, em 2002, quando se elegeu senador, Efraim não declarou a existência da Chemonics em seu patrimônio. Para a Polícia Federal, este tipo de procuração pode ser uma fórmula para simular negócios. O CNPJ da Chemonics do Brasil, que aparece na procuração, na verdade pertence à Syngular Consultoria, que não tem nome fantasia. Detalhe: as duas empresas funcionam no mesmo endereço, no Bloco A da Quadra 111 Norte, em Brasília. Lá, os porteiros disseram que jamais funcionou uma empresa chamada Chemonics. No prédio, Ferreira era conhecido como dono da Syngular e se apresentava como "advogado e consultor". O sócio de Efraim é craque em abrir empresas.Ele é também dono da Fundamental Comércio e Serviços, B&M Consultoria, EBF Indústria, Comércio e Serviços e Puro Suco Comércio de Sucos. A Fundamental, que funciona num bloco de apartamentos no centro da capital, é especializada em vigilância, limpeza, treinamento, instrumentos odontomédico-hospitalares, cosméticos, perfumaria, comunicação multimídia e tecnologia da informação.







Uma das sócias de Ferreira é a arquiteta Luciana Nunes Heringer, gerente da Syngular. Procurada por ISTOÉ, ela não quis falar sobre a sociedade com Ferreira e nem sobre o tipo de serviço que a empresa presta. Seu marido, no entanto, o secretário-geral da Corregedoria do Tribunal de Justiça do DF, Mauro Brant Heringer, que ajudou a esposa a montar o negócio, lançou mais suspeitas sobre a sociedade secreta mantida entre Ferreira e Efraim: "Essa procuração do Eduardo para o senador Efraim foi feita de forma oculta", diz Heringer"A gente quer distância, minha mulher nunca passou nenhum recibo e nunca se encontrou com Efraim Morais." Heringer diz que sua família queria montar no País a Chemonics do Brasil, para representar a multinacional da área de assessoria ambiental, mas que a matriz no Exterior não aceitou a existência da empresa no País e determinou que a Syngular representasse a multinacional. Heringer acha estranho que o senador não tenha ido ao cartório com o sócio Ferreira para cancelar a procuração, depois que a Polícia Federal identificou a quadrilha que desviava dinheiro no Senado. "O senador deveria ter ido lá, no cartório, para cancelar, pois a procuração ainda está em vigor", diz Heringer.

UMA NOVA AVALANCHE DE DENÚNCIAS
Na semana em que o Congresso Nacional entrou em recesso, o senador José Sarney (PMDB-AP) contava as horas para tirar férias das denúncias que ameaçam sua permanência na presidência do Senado. Mas, na quartafeira 15, foi surpreendido com o indiciamento do filho Fernando José Macieira Sarney por corrupção e formação de quadrilha, entre outros crimes. Na véspera, ao saber que o filho iria depor na Polícia Federal no dia seguinte, fez contato com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ter a garantia de que Fernando não seria preso. Empresário numa família de políticos, o primogênito do clã Sarney depôs por mais de seis horas, depois deixou o local sem dar entrevista. Na quinta-feira 16, seu advogado divulgou nota afirmando que "as acusações não procedem".Para a Polícia Federal e o Ministério Público, que investigaram o filho do senador por quase três anos, no entanto, há indícios suficientes para apontá-lo como cabeça de uma organização criminosa que praticou crimes contra o sistema financeiro nacional e a administração pública, além de falsidade ideológica, fraude em licitações, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Para sustentar o esquema, segundo a PF, Fernando contava com a cumplicidade do ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau, indicado por Sarney, e do diretor financeiro da Eletrobrás, Astrogildo Quental, que depois cooptou o diretor de engenharia da Valec, Ulisses Assad. Com autorização judicial, os investigadores grampearam telefones e e-mails e quebraram os sigilos fiscal e bancário de vários membros da família Sarney.
Segundo a PF, Fernando também contou com o auxílio de um agente da própria corporação, Aluísio Guimarães Mendes Filho, ex-segurança de Sarney e hoje subsecretário de inteligência do governo Roseana. Nas escutas, o próprio presidente do Senado aparece conversando com o filho sobre informações do inquérito, que corre sob sigilo. Além de Fernando, a PF indiciou sua mulher, Teresa Murad, e deve fazer o mesmo com a filha Ana Clara Sarney, suposta cúmplice das atividades ilícitas que provavelmente envolvem três empresas do Grupo Mirante (TV Mirante, Gráfica Escolar e São Luís Factoring), do qual Fernando é superintendente.Foi uma movimentação suspeita de conta bancária da Gráfica Escolar que levou a PF a iniciar as investigações que deflagraram a agora chamada Operação Boi Barrica, referência ao grupo folclórico maranhense do qual Roseana Sarney é madrinha. Entre 23 e 26 de outubro de 2006, a poucos dias do segundo turno das eleições para o governo do Maranhão em que Roseana foi derrotada por Jackson Lago, o Coaf identificou dois saques feitos por Fernando num total de R$ 2 milhões. A movimentação foi interpretada como indício de "caixa 2". De acordo com a investigação da PF, uma das principais fontes de recursos ilícitos do "esquema Fernando" foram negócios envolvendo contratos públicos nos setores energético e de transportes, onde ele possui "trânsito livre para manipular licitações".Segundo o inquérito, empreiteiras eram cooptadas a participar das licitações para depois subcontratar empresas de Gianfranco Perasso e Flávio Barbosa Lima, que serviriam de laranjas para o esquema. Os dois são ex-sócios de Fernando e cursaram engenharia com ele na mesma turma da USP. A PF descreve o pagamento de R$ 160 mil feito pela empreiteira EIT à PBL Construtora, de Perasso e Lima, supostamente como propina por ter sido subcontratada para obras da Ferrovia Norte- Sul com a mediação de Fernando. Além de servir aos objetivos políticos do clã Sarney, parte do dinheiro obtido ilegalmente abastecia contas em paraísos fiscais no Caribe e na Ásia, segundo a PF. O presidente do Senado não se manifestou em público sobre a denúncia, mas na sexta-feira 17 discursou em tom de desabafo para um plenário vazio."Sêneca dizia que a injustiça somente pode ser combatida com três ações: o silêncio, a paciência e o tempo", afirmou Sarney, citando o filósofo romano Lucius Aneu Sêneca. "Jamais pratiquei qualquer ato que não se amparasse na ética e na lei."
Além da sociedade suspeita com um dos integrantes do esquema de desvio de dinheiro das empresas fornecedoras do Senado, Efraim preferiu omitir em seu discurso outro fato revelador de sua íntima ligação com a empresa Ipanema, a mesma que, segundo denúncia recebida por ISTOÉ, pagava ao senador uma propina mensal de R$ 300 mil. No apagar das luzes de 2008, já no fim de sua gestão na primeira secretaria, Efraim subscreveu um processo no qual pediu uma indenização à empresa, àquela altura já questionada pelo MP por irregularidades nos contratos firmados com o Senado, no valor de R$ 700 mil. O processo, ao qual ISTOÉ teve acesso, é o de número 014793/08-3. A indenização teria como objetivo cobrir despesas da Ipanema com horas extras pagas a antigos terceirizados do Senado. Só não foi paga porque, tão logo assumiu o lugar de Efraim na primeira secretaria, o senador e seu colega de partido Heráclito Fortes (PI) identificou um equívoco no cálculo feito pela empresa sobre os supostos créditos e mandou suspender os repasses. "Tomei uma decisão sustentado pela área técnica da Casa", justifica Efraim. Detalhe: o gestor deste contrato é Aloysio Brito Vieira, aquele que nega ser o "operador do DEM". Procurado por ISTOÉ, Efraim não retornou ligações até o encerramento da edição.

Os novos capítulos da crise trazidos à tona por ISTOÉ acirraram a queda de braço entre os partidos durante a semana. O DEM acusou o PMDB de trabalhar nos bastidores para tentar retomar a direção-geral do Senado, nas mãos do partido até a saída de Agaciel Maia do cargo em março. O PMDB, por sua vez, passou a mirar nas mazelas da administração do DEM que há pelo menos 12 anos controla com mão de ferro a primeira secretaria. Na quarta-feira 15, em meio ao tiroteio na Casa, que ainda ameaça a permanência do senador José Sarney (PMDB-AP) na presidência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como se lançasse uma boia de salvação para o aliado do PMDB, avocou os holofotes da crise para si ao declarar que os senadores da oposição seriam "bons pizzaiolos" ao referir-se à CPI da Petrobras. O termo irritou os senadores que, em votação em plenário, rejeitaram a recondução de Bruno Pagnoccheschi para o cargo de diretor da Agência Nacional de Águas (ANA). No dia anterior, em Alagoas, Lula já havia irritado a oposição ao elogiar os senadores Fernando Collor (PTB-AL) e Renan Calheiros (PMDBAL), que pertencem a partidos da sua base aliada. "Eu quero aqui fazer Justiça ao comportamento do senador Collor e do senador Renan, que têm dado uma sustentação muito grande aos trabalhos do governo no Senado", disse.

A mão pesada que dirige o Senado

Nomeado para pôr ordem na Casa, o novo diretor-geral é acusado de agredir a mulher e a sogra

AMEAÇA DE MORTE Autoridade no Senado, Haroldo é considerado perigoso na ação penal

Lotado no Senado Federal desde 1986, Haroldo Feitosa Tajra foi o braço direito de todos os primeirossecretários da Casa desde a gestão de Carlos Wilson, em 2001. Lá, ajudou a administrar um Orçamento de R$ 2,7 bilhões por ano e esteve à frente de muitas licitações para contratação de empresas fornecedoras. Conhecia como poucos o funcionamento das nomeações e transferências de verbas feitas por intermédio dos chamados atos secretos, estopim para a sucessão de escândalos no Senado. Este ano, em meio à crise que apeou da diretoria-geral o até então todo-poderoso Agaciel Maia, Tajra foi indicado pelo atual primeirosecretário Heráclito Fortes (DEM-PI) como novo diretor do Senado.A relação com Heráclito é antiga. Os dois são piauienses e suas famílias se conhecem há duas décadas. Haroldo é primo do primeiro-suplente de Heráclito, Jesus Tajra, que foi deputado pelo Pfl, hoje DEM. Só que, nomeado há menos de um mês numa tentativa de pôr um ponto final aos desmandos e irregularidades cometidas no Senado, o novo diretor-geral já corre o risco de ter o mesmo destino do antecessor.Conforme denunciou ISTOÉ em sua última edição, Haroldo é um dos expoentes da estrutura operada pelo servidor Aloysio Brito Vieira que o DEM montou para controlar com mão de ferro a primeira secretaria. Entre 2005 e 2008, atuou afinado com o primeirosecretário Efraim Morais (DEM-PB), que agora é acusado de receber R$ 300 mil mensais da Ipanema Empresa de Serviços Gerais e Transportes. Também foi frequentador assíduo das festas promovidas em Brasília pelo ex-primeiro-secretário Romeu Tuma (ex-DEM hoje PTB-SP) e seu filho Robson, o Tuminha, que durante a administração do pai, entre 2003 e 2004, tinha contatos frequentes com o grupo que organizava as licitações do Senado. Haroldo mantinha ainda um relacionamento estreito com o ex-diretor da Câmara Adelmar Sabino, que prestou consultoria a Tuma no período em que ele comandava a primeira secretaria. Graças a sua grande influência e capacidade de operar nos bastidores, Sabino passou 18 anos no comando administrativo da Câmara. Era uma espécie de Agaciel Maia de lá. Quando chegou ao Salão Azul, Sabino teve Haroldo como aliado de primeira hora, graças a sua boa relação com o empresariado.


O diretor-geral, no entanto, deixou marcas no passado que podem manchar o currículo de um alto funcionário público que ainda precisa ter seu nome aprovado em sabatina no plenário do Senado para manter-se num dos cargos mais importantes do Congresso Nacional. Os papéis que podem jogar luz sobre a personalidade do novo diretor, responsável por administrar a vida de dez mil servidores, estão protegidos por segredo judicial em um processo que tramita na 4ª Vara do Tribunal de Justiça de Brasília. Recheado de ocorrências policiais, fotografias e laudos do IML, o volumoso processo expõe um personagem destemperado. Dono de uma personalidade agressiva, o diretor-geral é acusado de ameaçar de morte e de espancar a ex-mulher, a sogra e a amante, além de coagi-las física e psicologicamente na tentativa de reaver parte de seus bens. “Ele já me agrediu enquanto eu segurava minha filha de três meses no colo”, denunciou à ISTOÉ sua ex-mulher, a descendente de árabes Cálida Ghazaleh Tajra, com quem Haroldo foi casado por dez anos e teve três filhos. De acordo com os autos, ela fez três queixas formais à Delegacia da Mulher em Brasília contra Haroldo, por lesão corporal e ameaças. As denúncias formais foram feitas entre 2000 e 2002. Em uma das ameaças, Cálida conta que ouviu do ex-marido: “Você se prepara, qualquer dia você vai cair dura no chão.”
As ameaças de Haroldo também foram feitas por escrito. Em 2006, Cálida encontrou entre os documentos do marido anotações redigidas pelo próprio reveladoras do seu comportamento agressivo. O texto diz o seguinte: “Ferrar com Cálida financeiramente para aplacar a minha ira. Conversar com a Ousseima antes da conversa com a Cálida”, numa alusão à ex-sogra. Os bilhetes ainda fazem referência à compra de uma arma: “Comprar uma arma – treinar antes do encontro fatal.”

Haroldo foi procurado por ISTOÉ na quarta-feira 15 para falar sobre o processo. Por intermédio da assessoria de imprensa do Senado, o diretor-geral disse que não iria falar sobre sua vida pessoal. Mas agiu nos bastidores para evitar que os processos ganhassem o conhecimento público. Até a quartafeira 15, o processo, registrado no TJ do DF com o número 2007.01.1.125284- 4, poderia ser acessado livremente por quem navegasse no site do tribunal.A partir de quinta-feira, no entanto, Haroldo conseguiu retirar seu nome da página do TJ na internet. No lugar, ficaram somente as iniciais de seu nome: “H.F.T.”. Todas as informações do processo, agora, estão em “segredo de Justiça”. O acesso está restrito às partes. Na sexta-feira 17, Haroldo, por intermédio de sua assessoria, admitiu que sua separação foi “traumática” e em decorrência dela contraiu uma psoríase. Ele nega, no entanto, que tenha espancado a ex-mulher.Cálida diz que em 2002, em meio à separação, cedeu às pressões de Haroldo para que convencesse a mãe, Ousseima Imad, a retirar uma denúncia contra ele, também por agressão. O acerto foi feito na presença de representantes do Ministério Público. “Minha mãe retirou a queixa porque eu estava grávida da Ana, minha filha. Não queria me separar dele. Pedi a ela para não levar adiante”, diz Cálida. Em troca, a ex-mulher esperava uma reconciliação. Mas não foi possível. Depois de nova agressão, Cálida e Haroldo se separaram. Mas a dor de cabeça não acabou. Ameaçada novamente por Haroldo, Cálida aceitou transferir 75% de todos os bens da família para ele.“Abri mão dos bens porque eu tinha medo dele”, disse à ISTOÉ. “Achei que fazendo isso eu e minha família teríamos paz, mas me enganei, não tive paz mais.” Além da quase totalidade dos imóveis, diz a ex-mulher, Haroldo ficou com os dois carros e com todo o dinheiro da conta bancária da família. Em 2007, Cálida impetrou na Justiça de Brasília uma ação contra Haroldo, em que pede assistência judiciária gratuita. Ela trabalha como secretária no Sindicato dos Delegados da Polícia Federal e ganha R$ 1 mil por mês. Cálida tenta se proteger na Justiça porque Haroldo, diz ela, agora quer metade do apartamento onde ela mora com os três filhos menores, no Setor Sudoeste, em Brasília. “Ele paga pensão de dois filhos, mas o dinheiro não dá”, diz ela. “A gente vive contando os centavos.”
Hugo Marques, Mino Pedrosa e Sérgio Pardellas

A conta de Virgílio

Tucano diz que ainda espera cálculo do Senado para devolver dinheiro


O senador Arthur Virgílio (PSDBAM) prometeu, mas ainda não cumpriu. Na tribuna, disse que iria restituir aos cofres públicos os gastos com o funcionário fantasma Carlos Alberto Nina Neto, filho de seu amigo e subchefe de gabinete, Carlos Homero Nina. Como revelou ISTOÉ, Nina Neto foi contratado em 2003 como assistente técnico. Entre maio e julho de 2005, foi estudar em Barcelona. Também ficou fora do País entre outubro de 2006 e novembro de 2007. Apesar da ausência, Nina Neto continuou embolsando o salário de R$ 10 mil, o que numa conta extraoficial daria cerca de R$ 170 mil, sem juros, contando os dois períodos no Exterior.Em 29 de junho, após a denúncia de ISTOÉ, que repercutiu na revista inglesa The Economist, Virgílio admitiu o erro. Dois dias depois, chegou a anunciar que venderia imóveis para ressarcir o contribuinte o que pagou indevidamente ao ex-servidor. Em casos assim, o senador deve encaminhar ofício à Mesa Diretora pedindo o cálculo de sua dívida. A assessoria de Virgílio garante que ele fez o pedido à diretora de RH, Doriz Marize Peixoto, mas não apresentou cópia do ofício.

Por que o estado gasta tanto

Nas últimas décadas, o Brasil empreendeu uma gigantesca desmobilização do Estado-empresário. Privatizou várias estatais, terceirizou serviços e abriu a economia interna ao mundo, dentro de um objetivo claro de modernizar o País e colocá-lo em sintonia com a onda de globalização. O Estado mais magro pressupunha eficiência e todo o repasse de ativos e passivos à iniciativa privada deveria vir acompanhado de um natural encolhimento de custos. Não veio. Ao contrário. Gradativamente, ao longo dos últimos anos, governos municipais, estaduais e federal foram erguendo uma montanha de dívidas. Para honrá-la, apostou-se na arrecadação tributária sem limites. Na semana passada, números divulgados pela própria Receita Federal mostravam o tamanho da brutal conta que recaiu sobre os ombros do contribuinte. A carga fiscal alcançou o histórico recorde de 36% do PIB. Para ser ter uma ideia da dimensão desse peso tributário, basta dizer que ele é praticamente o dobro do verificado na economia mexicana, que tem estrutura de PIB semelhante à daqui. O índice é maior que o dos EUA, da Suíça e de praticamente todos os países vizinhos com os quais o Brasil faz fronteira. O que explica essa sanha desmedida? Tome-se, por exemplo, a prática sinalizada na semana passada pelos vários ministros que estão aumentando despesas e pedindo mais dinheiro ao Tesouro. Às vésperas das eleições, os titulares desses ministérios – muitos dos quais candidatos a novos mandatos – querem fazer bonito com o dinheiro alheio. O governo federal incentiva, elevando exponencialmente os custos com o funcionalismo público. O inchaço da máquina, apesar da dieta das estruturas empresariais que aconteceu com as privatizações, é visível. O Estado gastador flerta com a ideia de ser um Estado ainda mais interventor e populista, distribuindo benesses em troca do voto. Algo arcaico no mundo contemporâneo, mas bem ao gosto de gestões bananeiras que montam seus guichês de favores e praticam abertamente o é dando que se recebe. Nessa direção, a União comunicou que vai aceitar renegociar as dívidas dos Estados e trabalha para uma alforria de pagamentos de compromissos em vários setores estatais. No Legislativo, o Senado torra quase R$ 3 bilhões ao ano – parte com viagens ao Exterior, parte com um nepotismo descarado. Dá para entender por que o seu imposto está tão alto?
Carlos José Marques

Um almirante na mira da polícia

Dono de um iate de R$ 3 milhões, Euclides Matos, ex-chefe do Estado-Maior, é acusado num esquema de importações subfaturadas
Francisco Alves Filho

Em 44 anos de carreira na Marinha, o almirante Euclides Duncan Janot de Matos ocupou vários cargos importantes, chefiou o Estado-Maior da Armada e foi apontado, em 2007, como candidato a comandante da Força. Atualmente na reserva, Matos acabou por ter seu nome e seus títulos manchados no dia 30 de junho, quando se tornou o primeiro oficial quatro estrelas das Forças Armadas brasileiras preso por crime comum.Foi fisgado na Operação Luxo, da Polícia Federal do Ceará, junto com os donos do estaleiro Inace (Indústria Naval do Ceará) e da empresa Marimar. Todos são acusados de integrar um esquema de importação ilegal de artigos subfaturados. O ponto de partida foi uma denúncia oferecida em 2006 pelo Ministério Público Federal do Ceará. Nela, Matos é acusado de receber de presente o Bucaneiro, um trawler (espécie de superiate), por intermediar ilegalmente negócios do Inace com a Marinha.Naquele ano, o estaleiro fechou contratos no valor de R$ 103 milhões para construir navios-patrulha. Agora, a PF acusa o almirante de ajudar a fraudar licitações da Marinha e da Petrobras. Recentemente, ele trocou o Bucaneiro por outro barco, ainda maior, registrado em nome de sua empresa: é o Safira, embarcação de 75 pés (22,86 m), também fabricada pelo Inace, avaliada em R$ 3 milhões.No esquema descoberto pela PF, as empresas importavam peças e equipamentos destinados à construção de embarcações civis e militares. Os contêineres transportavam também artigos supérfluos de luxo. Tudo era subfaturado. "Na nota fiscal falsa, um relógio importado por quatro mil euros aparecia como se tivesse sido adquirido por cerca de US$ 100", explicou o delegado da PF Cláudio Joventino, que coordenou as apurações. Dessa forma, as empresas enganavam a alfândega brasileira, que cobrava impostos com base em valores equivalentes a 5% do custo real, lançados nos documentos falsificados.O Inace teria criado uma empresa em Miami para viabilizar a fraude. "É como se os produtos tivessem sido comprados lá, mas, na verdade, a empresa só emitiu a nota", explica Joventino. A principal peça no esquema era justamente o estaleiro Inace, cujos donos - Elisa Maria Gradvohl, Gil Bezerra e Robert Gil Bezerra - foram presos. Foi preso também o dono da Marimar, José Antônio do Carmo. O único acusado fora do Ceará foi o almirante Matos, que ganha de soldo cerca de R$ 15 mil e é dono da Internave Engenharia."Minha casa foi invadida por policiais federais com mandado de busca e apreensão", disse à ISTOÉ o militar da reserva, atualmente em liberdade, depois de cumprir prisão temporária. O almirante não quis comentar os motivos de sua detenção. "Ainda não tive acesso aos autos, não sei do que me acusam", disse. Assim como ele, todos os outros presos já foram libertados.Há oito anos, Matos foi acusado de malversação de recursos públicos quando, ainda como vice-almirante, comandava a Diretoria de Portos e Costas da Marinha. O Tribunal de Contas da União constatou irregularidades no convênio firmado com a Fundação de Estudos do Mar (Femar), no valor de R$ 4 milhões. O acordo serviu na verdade para contratar serviços e funcionários de forma irregular. Foram beneficiados vários oficiais reformados da Marinha, um deles dono de um escritório de advocacia - a diretoria possui assessoria jurídica própria -, e outros que emitiam recibos de autônomo, embora fossem funcionários efetivos do órgão. O TCU apurou que as falhas existiram, mas "não por má-fé".Na denúncia de 2006, o procurador da República Merton Vieira Filho concluiu que o almirante tinha ajudado ilegalmente o Inace a conseguir contratos com a Marinha, e tinha sido recompensado por isso com o barco Bucaneiro. Em sua defesa, Matos alegou que o valor do barco era de cerca de R$ 720 mil e tinha sido comprado por uma de suas empresas, a JM Empreendimentos Náuticos e Imobiliários Ltda. O capital social da JM era de R$ 552 mil - inferior, portanto, ao valor da embarcação. Diante da ação do MP, o almirante passou o barco à frente.Matos recorreu ao STJ e o processo foi transferido da 12ª para a 11ª Vara Federal do Ceará, onde provavelmente deverá ser encerrado. Sua nova dor de cabeça, no entanto, deve ser o sofisticado barco Safira, dotado de uma suíte, três dormitórios, sala de jantar, salão de jogos e dois banheiros. "Essa embarcação está em nome da Internave", diz Matos. O superiate foi fabricado pelo mesmo estaleiro Inace que a PF aponta como cabeça do esquema criminoso.


Palácio da discórdia

Marcada por desentendimentos, reforma do Planalto sobe 150% e corre o risco de ser embargada pelo TCU


Janelas empoeiradas, tapumes e uma cratera com sete metros de profundidade chamam a atenção de quem passa pelo Palácio do Planalto. O edifício símbolo do poder presidencial entrou em reforma há apenas um mês, mas a obra já virou alvo de ações judiciais devido a um pedido de crédito suplementar de R$ 118,2 milhões e ainda corre risco de ser paralisada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Parte da construção - o estacionamento - foi embargada há uma semana pelo governo do Distrito Federal (GDF) sob a alegação de que o terreno é de propriedade pública. A empreiteira Porto Belo abriu um enorme buraco para construir uma garagem de dois pavimentos, com passagens subterrâneas. O risco de que a reforma descaracterize o conjunto urbanístico da capital, tombado pelo patrimônio histórico, levou o Ministério Público a instaurar um inquérito.De acordo com a auditoria do TCU, também foram encontradas falhas em documentos técnicos, como ausência de assinatura no laudo da estrutura do Palácio. Ao ser questionado pelo tribunal, o secretário de Administração da Casa Civil, Norberto Temoteo de Queiroz, enviou ofício "urgente" ao escritório de representação do arquiteto Oscar Niemeyer, em Brasília. arquiteto Carlos Magalhães de Andrade se surpreendeu. "Nunca vi tamanha desorganização e incompetência." Para ele, muitos dos problemas da obra são culpa da "relutância" da Coordenação de Engenharia da Casa Civil, chefiada pelo engenheiro Eduardo Magalhães. "À quase totalidade das soluções apresentadas tínhamos sua contrapartida, e defendê-las tornou-se nossa rotina, maçante e dispendiosa", disse em carta à Casa Civil.Ele ainda menciona as discussões em torno da construção de uma torre externa. "Foi preciso o arquiteto Niemeyer solicitar liberdade para projetar. As áreas técnicas em subsolo carecem de revisão. Não há ordem no conjunto", acusa. Para o arquiteto, a "intermediação" da Coordenação de Engenharia "acabou sendo prejudicial ao atendimento dos prazos contratuais". "O projeto de restauração começou sem um programa arquitetônico definido", diz. Segundo o arquiteto, após a entrega do projeto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em dezembro, o escritório de Niemeyer foi alijado das discussões."Temos medo de que essa corrida para atender prazos comprometa a execução da reforma", diz Magalhães, em referência ao desejo do presidente Lula de ver a reforma concluída no aniversário de Brasília, em abril. Temoteo disse que todas as demandas do TCU têm sido atendidas e que encaminhou o laudo de estrutura assinado e as licenças de canteiro. Sobre o embargo, apresentou ao GDF a escritura do terreno e um relatório do próprio governo distrital, de 1990, atestando a propriedade da área. Em meio à confusão, a Presidência encaminhou sem muito alarde ao Congresso Nacional um pedido de crédito especial de R$ 118,2 milhões, o que turbinará o custo da obra em 150%, sendo que o valor do contrato assinado com a construtora Porto Belo foi de R$ 78,8 milhões. Sobre os R$ 118,2 milhões, a Casa Civil alega que foi "uma reserva feita antes da licitação". Mas o pedido de abertura do crédito é de 17 de junho, portanto posterior ao contrato com a Porto Belo, com data de 28 de maio.
Claudio Dantas Sequeira

A estranha ética de Arthur Virgílio


O líder do PSDB no Senado reconhece ter recebido vantagens indevidas, como foi denunciado por ISTOÉ, e diz que vai devolver o dinheiro público.

Na segunda-feira 29, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) subiu à tribuna do Senado para responder às denúncias publicadas por ISTOÉ. Durante três horas e 20 minutos, fez um dos discursos mais longos da história da Casa. Mas tudo não passou de pura retórica. Sem nenhum documento, Virgílio esbravejou ao vento. Ele não rebateu as acusações e confirmou com mais detalhes os fatos trazidos à tona. Na verdade, o senador autoincriminou-se. A partir de seu relato inflamado, ficou claro que o líder do PSDB no Senado infringiu os artigos do Código de Ética que preveem sanções para casos de abuso de prerrogativa e obtenção de vantagens indevidas e doações.E mais: ao reconhecer os pecados cometidos no exercício do mandato, o senador demonstrou que, embora seja severo na hora de julgar adversários políticos, costuma adotar padrões éticos bem mais elásticos em relação às próprias atitudes.Segundo reportagem de ISTOÉ, Virgílio manteve um servidor fantasma lotado em seu gabinete. No discurso, o senador, visivelmente alterado, admitiu que errou ao manter na folha de pagamento do Senado Carlos Alberto Nina Neto, filho do amigo e seu subchefe de gabinete, Carlos Homero Nina, mesmo quando ele resolveu estudar no Exterior. Nina Neto foi contratado em 21 de maio de 2003 como assistente técnico, com salário de cerca de R$ 10 mil. Em 2005, entre maio e julho, foi para Barcelona para um mestrado e continuou recebendo salário. Depois, passou mais de um ano fora, entre outubro de 2006 e novembro de 2007, fazendo pós-graduação. De volta ao Brasil, continuou no gabinete de Virgílio até ser exonerado em 22 de outubro de 2008. "Esse é um equívoco do qual me penitencio, um erro pelo qual mereço ser, sim, criticado", resignou-se. De acordo com o tucano, Carlos Homero chegou a aconselhar que ele pedisse à Mesa Diretora para "dar autorização" e ainda "pagar as diárias" do filho. Virgílio achou que as diárias "eram demais", mas por conta própria decidiu pagar os salários, "sem a noção clara do pecado".
O pecado que Virgílio cometeu está tipificado no artigo 5º do Código de Ética do Senado como abuso de prerrogativa. Não por acaso, dois dias depois, na quarta-feira 1º, ele anunciou que venderá imóveis da família para ressarcir o Senado pelo que pagou indevidamente, durante quase dois anos, ao ex-servidor do seu gabinete. "Era dinheiro da Nação brasileira que não poderia ter sido usado dessa forma", admitiu em novo discurso, mais cauteloso e comedido.Não foi um súbito ato de arrependimento que o fez lançar mão dos bens de família. O senador, na prática, usou um expediente bastante conhecido.Com a decisão de repor o prejuízo do Tesouro, antecipou-se à ameaça de ser alvo de uma representação do PMDB no Conselho de Ética. Ou seja, mais uma vez lançou mão de seu estranho conceito de ética.
Os discursos de Virgílio mudam ao sabor da hora. Há algum tempo ameaçou, na mesma tribuna do Senado, dar uma surra no presidente da República porque ele e sua família estariam sendo investigados a mando do PT. Meses depois, viajou ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no avião presidencial. Seu padrão ético também é volúvel. Virgílio não titubeou ao recorrrer, por meio de Homero Nina, ao então diretor-geral do Senado Agaciel Maia, para resolver uma emergência de caixa. Conseguiu, num domingo, um empréstimo de US$ 10 mil. O dinheiro, revelou ISTOÉ, serviu para liberar seu cartão de crédito, que estava bloqueado durante viagem com a família a Paris. Candidamente, como se nada tivesse acontecido, admitiu na tribuna que três amigos se cotizaram para pagar a dívida por ele. "Carlos Homero me disse que havia resolvido isso (os R$ 10 mil) via Agaciel. E perguntei: 'Mas, escute, não quero ficar com dívida nas mãos desse sujeito'", disse Virgílio. Argumentou também que não recebeu US$ 10 mil, mas sim R$ 10 mil. Ou seja, pelos seus curiosos padrões, jamais receberia "desse sujeito" US$ 10 mil. Mas aceitou de bom grado R$ 10 mil. Trata-se, portanto, de uma ética que leva em conta o câmbio. Será que o senador, também nesse caso, não tinha "noção clara do pecado"? Afinal, foi pela suspeita de que um de seus colegas, Renan Calheiros (PMDB-AL), teria tido despesas pagas por terceiros que o tucano defendia a cassação do então presidente do Senado.

Outra denúncia de ISTOÉ que Virgílio não contestou em plenário foi a de que sua mãe, falecida em 2006, vítima de Alzheimer, teve as despesas médicas no valor de R$ 723 mil custeadas pelo Senado, quando o permitido pelo regimento interno era um ressarcimento de até R$ 30 mil por ano. Em seu discurso, ele preferiu jogar a responsabilidade pela autorização do pagamento nas costas de Agaciel. Disse que sua mãe não era sua dependente, mas de seu pai, o ex-senador Arthur Virgílio Filho. E anunciou que pediria informações à Mesa para saber se houve autorização para gastos acima do limite."Esse homem (Agaciel), até quando me acusa, não consegue fugir de dizer que praticou uma ilegalidade. Se liberou tratamento que não deveria ter liberado, ressarcimento que não deveria, da minha mãe, praticou uma ilegalidade. Ou seja, quer me transformar em seu cúmplice ou transformar meu pai, falecido, em seu cúmplice", disse. Mas estranhamente só protestou depois que o fato veio a público.

Famintos e milionários

Quase 40 milhões de pessoas passam fome no Brasil. No mundo são mais de um bilhão de famintos. Isso significa que, para cada seis pessoas que habitam o planeta hoje, uma não tem o que comer. A proporção brasileira é ainda pior. Dados os 191 milhões de brasileiros, pelas contas do IBGE, mais de um a cada cinco cidadãos está sem comida no prato. Fixe essa constatação estarrecedora: um quinto da população daqui está com fome, em estágio de desnutrição ou subnutrição. Os números absurdos, inaceitáveis no escopo de uma civilização que vive o século XXI, com avanços de toda ordem, foram divulgados recentemente pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). E justamente o Brasil, celeiro do mundo, líder da produção de alimentos em vários itens, maior exportador global de carne, maior produtor de soja, trigo e similares, traz índices típicos de Terceiro Mundo logo neste quesito. O banco americano Merrill Lynch entregou na semana passada o outro lado da moeda. Num levantamento realizado em parceria com a consultoria Capgemini, constatou que o número de milionários do mundo - incluídos na contabilidade apenas aqueles com ao menos US$ 1 milhão em caixa - chega a 8,6 milhões de felizardos. O Brasil contribui com 131 mil milionários - em dólar! - e está entre os dez primeiros no ranking dos países com mais milionários. É o retrato de seu histórico erro na divisão do bolo. A brutal, vergonhosa desigualdade social, uma praga que se alastra principalmente por falta de empenho geral por soluções efetivas para as camadas mais desassistidas, poderia ser facilmente sanada se, por exemplo, os bilhões em recursos despejados para salvar bancos, multinacionais de carros e que tais fossem reorientados nessa direção. Não vão, mas naturalmente é preciso pensar logo em saídas. Até quando será possível viver indiferente ao estado de desnutrição de tantas pessoas? É plausível admitir um país das dimensões e riquezas do Brasil no bloco daqueles com maior disparidade? Se cada um parar para pensar sobre o que fazer, desencadeando uma corrente de solidariedade intercontinental, com ações concretas, haverá mais esperanças para o fim do fl agelo da fome. É tudo uma questão de prioridades e o mundo tem que despertar para a constatação de que essa é a maior delas.
Carlos José Marques